domingo, 18 de janeiro de 2009

CONTABILIDADE E CRISE FINANCEIRA

Antônio Lopes de Sá

Se algumas normas contábeis estão a falhar em seus conceitos, usando “jogo de palavras”, alardeando que se baseiam no acordo de inúmeros países, nunca é demasiado lembrar que “consenso e verdade” nem sempre andaram juntos (veja-se sobre o tema o pensamento de LYOTARD, J.F em “A condição Pós-Moderna, 10ª. Edição José Olympio, Rio de Janeiro, 2008, página 45).

Sobre o efeito nocivo da compulsoriedade normativa como instrumento de “poder”, “embotamento da inteligência” e “cerceamento da liberdade de pensamento” manifestaram-se ostensivamente muitos intelectuais de raríssima fama como Einstein, Wittgenstein, Lyotard, Martin, Shumann, Morris, Leisering, Leibfried.

Entre a ciência e a norma o Contador de nível superior deve aferrar-se à verdade, defendendo a dignidade ética e a responsabilidade social.

Não há norma que possa ser superior a moral, à ética, que possa fazer um profissional de bem quebrar o juramento que fez quando solenemente se diplomou.

O que tem ocorrido de mega-negativo, entretanto, deve servir de exemplo para que não seja praticado.

Assim, por exemplo, as grandes mentiras do mundo especulativo, de trilhões de dólares, realizadas através dos denominados “derivativos”, já haviam sido acusadas e previstas desde 1996.

Martin e Schumann, da “Der Spiëgel, uma das mais famosas revistas do mundo, na monumental e realista obra “A armadilha da Globalização” (Edição GLOBO), sobre o vultoso calote que redundou em crise financeira denunciaram há mais de uma década o mega golpe quando estava em marcha.

Infere-se, ainda, das acusações referidas que a prática da “volatilidade”, da ocultação de dados, da aparência de lisura com o apoio das normas e auditagens, teve alta dose de responsabilidade; isso, agora, no Brasil com coragem se faz ressaltar em acusação contida na matéria editada na Folha de São Paulo neste janeiro de 2009 sob o título “Escândalo Contábil e Contabilidade” (na Internet na FISCOLEGIS do dia 15).

Infelizmente a deficiente informação contábil apoiada em “normas” e auditorias ensejou ausência de entendimentos por parte dos que se vitimaram na empreitada, representando algo expressivamente negativo na História profissional.

Embora o fato tivesse envolvido minorias profissionais em uma tão numerosa classe, certamente o praticado não é o desejável, nem deve ser modelo ou perfil de um Contador.

Houvesse fidelidade contábil e os fatos estariam claramente evidenciados, sendo irracional admitir que alguém conscientemente pudesse investir em títulos com tamanhos riscos, a menos que em vez de empreendedor fosse aventureiro.

A grande jogatina do “negócio do risco”, delatada pelos autores referidos mais de dez anos antes que eclodisse, criou um mundo de especulação (página 79 da obra referida); espantoso, também, é o revelado à página 77 que: “apenas 2 a 3% dos negócios foram para financiar a indústria e o comércio” (dos 45 trilhões de dólares que denunciaram na época), mostrando o lado perverso da má aplicação do capital face á comunidade.

Computadores, normas, auditorias, tudo que se tem como o de mais moderno e sofisticado, como “convergências de entendimentos” constituiram-se em veículos auxiliares da informação em favor da especulação do mundo financeiro; embora o escandaloso movimento tivesse sido acusado publicamente desde 1995 pelos competentes intelectuais Martin (Doutor em Direito) e Schumann (Engenheiro), ligados ao jornalismo, na famosa revista “Der Spiegel”, da Alemanha, não faltaram os incautos que acreditaram no “jogo de palavras” dos que dominavam a mídia, esta que ajudou a criar mercados para a “engenharia financeira”, resultando em expressivos prejuízos para todos os contribuintes das Nações, estas que por fim socorreram os Bancos envolvidos.

Tal fato que manipulou balanços, lamentavelmente é a antítese do que se deve entender pela função contábil, ou seja, de forma oposta evidencia o “mau uso da Contabilidade” para fins aéticos e anti-sociais.

O avesso do perfil profissional está exatamente na troca da objetividade pela subjetividade, da clareza pela sofisticação enganadora, ou seja, no inverso do que deve ser praticado.

Cumpre ainda dar destaque que Martin e Schumann acusaram ostensivamente a “volatilidade” espelhada nos “sobe e desce” das Bolsas como a responsável (página 78 da obra referida) pelas manipulações, ou seja, as oscilações de lucros e perdas ao sabor da manobra de valores.

Não há dúvida que os resultados das empresas influem no movimento bursátil e isso eu já expunha há mais de 30 anos em minha obra Bolsa de Valores e Valores na Bolsa, editada pela APEC; manipular os referidos é manipular cotações.

Infere-se facilmente que a aplicação do denominado “Valor Justo” é porta aberta ao subjetivo, à aludida “volatilidade”, à dança dos lucros e perdas pelos ajustes, esta tão ardilosamente executada pelos especuladores.

Difícil se torna, portanto, para o Contador, desejando ser ético e responsável, assumir junto à especulação pelo risco o que se baseia em caráter incerto, este que é o oposto da ciência que o profissional tem por dever aplicar.

As normas não ensejam investimentos estrangeiros pela propalada “convergência” que beneficiem a “economia nacional” segundo Martin e Schumann; baseados na revista “The Economist” (página 213 da obra referida dos mencionados autores) informaram que já em sua época a manobra era de pleno prejuízo para os países emergentes o fluxo de capitais; ou seja, de 1992 a 1995 para investimentos que cresciam de 55 para 97 bilhões de dólares os grupos da especulação catapultavam de 111 para 216 bilhões no mesmo período.

A referida “volatilidade” que o dito “Valor Justo” enseja, desrespeitando o “Princípio de Contabilidade da Prudência”, perante o “jogo do risco”, portanto, não requer muitos neurônios para produzir entendimento de que a imposição normativa dita “internacional” está na contramão da realidade desejável para a informação contábil.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

JUSTIÇA DE VALOR E VALOR JUSTO

Antônio Lopes de Sá

A discussão encetada sobre a legitimidade do denominado “Valor Justo” a ser atribuído a componentes patrimoniais, segundo ditam normas contábeis, se prende exatamente a questões conceituais frente à realidade; ou seja, liga-se a um embate entre o nocivo “canibalismo especulativo” e o sadio “objetivismo científico”; à especulação tem faltado escrúpulo e respeito à ética, gerando crises financeiras sucessivas, auxiliada pela ocultação de dados e falsidade informativa.

O normatizado, tal como se apresenta não se afina com a essência do que racionalmente se deva ter como uma “justiça de valor” patrimonial.
Como se infere em razão do entender de Einstein o “saber livremente pensar” nem sempre foi tônica evocativa em matéria conceptual normativa; como esta se guia muitas vezes mais por interesses particulares que por preocupação cultural merece o tema considerações reflexivas.

Partindo do entendimento de “conceito” como atribuição de qualidade a alguma coisa, ou seja, como deve ser entendida a essência do formalmente expresso por palavras, é possível encontrar explicações válidas buscando apoio em inteligências privilegiadas que construíram a civilização.

Contabilmente “valor” é uma concepção tradicional atada à “quantificação” dos fatos dimanados da movimentação patrimonial dos empreendimentos humanos, ou seja, uma “mensuração” de ocorrências, registráveis e demonstráveis.

A “conta” nasceu no paleolítico superior e o aspecto “quantitativo do patrimônio” surgiu na antiguidade, nesta já como demonstração de valor, começando a ser traduzida em expressões numéricas desde os mais remotos tempos; essa a razão pela qual os contadores na Suméria, há cerca de 6.000 anos, inventaram os “números abstratos” e os conceitos de “débito” e “crédito” nos registros; foram esses profissionais os pais das Matemáticas e da escrita; tão relevante tornou-se o informe “quantificado” que este se fez predominante, a ponto de pelos séculos afora associar o ensino da Contabilidade ao dos cálculos.

A escola filosófica matemática da Grécia antiga (seguindo ao que se atribui seja de proveniência do oriente médio), estribou-se no raciocínio “dedutivo”, ou seja, no princípio já de há muito consolidado de que “as coisas se provam através de outras”.

A isso socorreu o pensamento do pai da geometria plana, Euclides, afirmando que a dedução deve partir de princípios “gerais por si mesmos”, ou seja, de parâmetro confiável.

Tal orientação nas avaliações, sob a metodologia dedutiva fiel a parâmetros fiáveis, vigorada pelo platonismo e preceitos euclidianos, prevaleceu no ensino de cálculos na Idade Média nas “Escolas de Ábaco onde também se ensinava Contabilidade, acabando por fortemente influir sobre esta (Paciolo, o primeiro difusor das Partidas Dobradas em livro impresso pelo processo de Gutenberg, estudou na escola de Ábaco de Bragantino, em Veneza).

O processo básico das “partidas dobradas”, portanto, fundamentado na equação expositiva dos fenômenos patrimoniais em causa (crédito) e efeito (débito), desenvolveu-se sob a lógica do método dedutivo.

A indução que posteriormente no século XVII Francis Bacon apresentou como oposição ao método dedutivo não vingou no campo das quantificações, sequer obtendo total sucesso no campo científico; inclusive as obras contábeis editadas na mesma época do pensador referido (esse avesso às matemáticas) não aderiram ao critério indutivo e muito menos as posteriores, ressalvas feitas a algumas poucas, e, nestas apenas em raros aspectos particulares, como a de Lopes Amorim, no século XX.

Mesmo a tradicional filosofia do “subjetivismo” dos gregos Protágoras e Górgias (não muito diferente da que o cético Hume adotaria cerca de 2.000 anos mais tarde) que tanto serviu de vau aos pragmáticos, obteve sucesso nas áreas contábeis, considerada a responsabilidade que estas sempre representaram face aos interesses de terceiros.

No embate entre a prevalência da “razão” sobre a simples “percepção” aquela a esta não cedeu espaços no campo quantitativo; na atualidade, entretanto, a aludida dissensão filosófica está lamentavelmente a atormentar a prática da “mensuração” com a passagem aberta ao ”subjetivismo” abonada pela adoção do denominado “Justo Valor”.

Embora cientificamente a expressão quantitativa dos fenômenos patrimoniais exija “realidade objetiva”, as normas ensejam a “falsidade subjetiva”.

Relativamente, também, quanto ao conceito de “justo” vale ponderar que é ainda a filosofia grega antiga que vem em apoio ao “racional” e é ela que nos mostra a responsabilidade que existe em acolher tal conceito.

Assim, mesmo não afeito ao raciocínio matemático, foi Aristóteles quem evocou a “proporcionalidade” para o que se deva atribuir como “justiça”.

Dessa forma, a tese da até “divina proporção” (a que defendeu Platão e que Luca Pacioli ensinou a Leonardo da Vinci), foi abraçada pela filosofia clássica para consagrar que “em relações desiguais a identidade só se estabelece com ponderações”, ou seja, respeitando uma hierarquia qualitativa.

Isso porque proporção é uma relação entre razões, estas que de per si sendo diferentes guardam, todavia, identidade em condições de relatividade.

Fácil, pois, é concluir que um conceito de “Valor Justo” deve estar aferrado a uma realidade “objetiva” e “proporcional”, oposta ao incerto e fortuito.

Isso impõe a exclusão total do “subjetivismo”, assim como do “casuísmo”, ambos demolidores da solidez que oferece a “proporcionalidade”.
Perante a lógica e em face da realidade não se aplicam as atribuições de um conceito científico contrariando as razões que o sustentam, a menos que se deseje subverter a realidade.

Assim entende em nossos dias um dos mais famosos filósofos contemporâneos, J.F. Lyotard, em sua expressiva obra sobre a “Pós Modernidade” na qual atribui a decadência conceptual à debilidade educacional de natureza científica e filosófica; à mesma conclusão chegou o Congresso Internacional de Educação realizado em Belo Horizonte não faz muito tempo, recomendando reformas no ensino.

A inferioridade intelectual em definir, a ignorância sobre os recursos imensos da cultura por efeito de deficiências de formação educacional, a carência no campo da razão e da reflexão, a pobreza de conhecimento de Lógica, são algumas das causas de muitos defeitos de natureza conceptual e de compreensão frente à realidade das coisas; soma-se ainda a isso a distorção da verdade e o poder de um “capitalismo canibal” que representa a decadência ética atingindo a realidade informativa em Contabilidade, deformando através de portas abertas pelas normas e pelo discutível “Valor Justo” quando aplicado nas maquinações dos balanços (casos das empresas ENRON, PARMALAT, XEROX, QWEST, MADOFF etc. denunciados pela imprensa e pelo Parlamento dos Estados Unidos de há muito).

Conceitos nebulosos e vazios contidos em regras e “notas explicativas”, alcançando a valorimetria, com o intuito de complicar o entendimento de terceiros, aduzem-se ainda ao processo; segundo acusam autores como Singleton, Bologna e Lindquist em obra recentemente editada (Fraud Auditing and Forensic Accounting, 3ª. edição Wiley, USA, 2006) nem os recursos da eletrônica conseguiram deter totalmente as fraudes, como muito cedo o escândalo do “Equity Funding” desde a década de 60 veio a comprovar e, também, outros diversos que se seguiram e ainda estão a ocorrer.

Uma “justiça de valor” é necessária; isso, todavia, não implica aceitar que o conceituado como “Valor Justo” pelas normas contábeis produzidas por grupos de entidades privadas seja algo que possa conduzir à essa “realidade objetiva”; o normalizado não está aferrado ao defendido pelos raciocínios lógicos dedutivos, nem se encontra apoiado em proporcionalidade obtida por critério responsável.

Os riscos de avaliação em base do normalizado não necessitam de argumentos outros que os evidenciem, nem dos que fartamente os fiz evidentes em dezenas de artigos (reunidos em minha página na Internet http://www.lopesdesa.com.br/), pois a realidade das crises financeiras auxiliadas pela falsidade informativa, esta apoiada por diretrizes normativas, é mais eloqüente que matérias escritas.

Sendo o denominado “Valor Justo” algo atado ao “condicional”, ao “incerto” (porque preços de mercado e realização podem ser produzidos artificialmente pelos que detêm o poder sobre a comunicação) escapa aos rigores de uma realidade objetiva e de um julgamento estribado em uma proporção racional.

Houvesse sinceridade nos informes, existisse obrigatoriedade de que assim fosse através de critérios objetivos ditados por normas competentes, com acessos fechados ao “subjetivismo” e certamente os calotes não vingariam, porque seria irracional admitir que alguém estando bem informado sobre a mentira contida nas informações contábeis e paralelas veiculadas pudesse realizar qualquer investimento.
Não são necessários muitos neurônios para inferir que uma “justiça de valor” fundamentada em uma lógica da realidade objetiva difere de uma idéia de “valor justo” inspirada em construção individual, ensejando o manipulável, como comprovadamente o mercado tem reconhecido ser, em face de calotes diversos difundidos pela imprensa internacional.

O perverso modelo da especulação financeira, emoldurado pela falta de ética, pintou um quadro que lamentavelmente exibe um cenário de ambições desmedidas, este no qual se utilizam meios honestos da informação contábil, para, ao deformá-la e submetê-la, dela se servirem para fins aéticos.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Normas internacionais e riscos sobre a expressão dos valores

Antonio Lopes de Sá
RESUMO
A implantação das Normas de Contabilidade, ditas Internacionais, envereda pela adopção de alguns procedimentos questionáveis no que diz respeito ao campo conceptual. O normativo adoptado quebra a unicidade exigível pelo princípio de sinceridade informativa e pode levar ao subjectivismo. A sinceridade das demonstrações financeiras pode estar, assim, comprometida.

Leia aqui a íntegra deste artigo, publicado na Revista TOC nº 98, edição maio/2008 (Portugal)