segunda-feira, 27 de julho de 2009

REALIDADE SOBRE NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE

Antônio Lopes de Sá




A TESE
O julgamento racional de qualquer matéria depende do estabelecimento de relações que possam ensejar através do raciocínio a afirmação ou negação sobre algo; no caso presente, no tangente às referidas como “Normas Internacionais de Contabilidade” o ponto de partida de ligações é o do motivo que origina o procedimento, ou seja, a informação.


Premissa alicerçal, portanto, é a admissão de que informar é relatar sobre o que se investiga, percebe ou raciocina e, também a concepção de que tal outorga representa uma forma de “poder” que influi como opinião, do mesmo defluindo o império da verdade ou da mentira.


Fazer que a informação alcance aos interessados de forma clara e exata implica além de compromisso técnico um dever ético.


Como conjunto de conhecimento sobre determinado assunto a informação requer, fundamentalmente, respeito a condições específicas, podendo constituir-se em uma “tecnologia”; isto, entretanto requer submissão a preceitos derivados de doutrinas aferrados à “realidade objetiva”.


É nesse sentido que a informação sobre a riqueza dos empreendimentos quanto a formação e transformação da mesma é uma Tecnologia Contábil cuja utilidade é vasta em todas as partes do mundo.


Fazer, pois, que uma demonstração contábil seja entendida em todas as partes, sem dificuldades, com sinceridade, é algo útil, mas, exige respeito quanto a uniformização de conceitos e procedimentos, sob a égide da ciência.


Em tese, pois, é aceitável a normatização em nível internacional; o que se vem questionando não é o aspecto universal do informe requerido, mas, a forma como está sendo conduzida a questão.


CONTABILIDADE E INFORMAÇÃO
Contabilidade e informação contábil não são conceitos idênticos, nem equivalentes.


A Contabilidade é um agregado de conhecimentos de natureza científica que explica a razão dos acontecimentos havidos com o patrimônio dos empreendimentos, a partir de relações lógicas; a informação contábil é apenas um relato sobre um acontecimento ou fenômeno patrimonial.


Entre o dar noticia (informação contábil) e o saber o que ela significa em suas causas, efeitos, tempos, espaços, qualitativa e quantitativamente (ciência contábil) existe substancial diferença.


Como à ciência só interessa a verdade ela se prende ao “objetivo”, desprezando o emocional ou “subjetivo” como método.


O caminho da informação é traçado através da percepção, comprovação dos eventos, registro, demonstração e fluxo, requerendo ordem lógica; por isso, para ater-se à verdade o referido curso deve fazer-se guiar por princípios científicos.


A disciplina da ciência contábil se constrói através de observações racionais, conceitos, proposições lógicas, teoremas e teorias; a tecnologia contábil deve apoiar-se nesse conjunto de razões e atribuições em sua metodologia de aplicação.


NORMAS CONTÁBEIS
Como proceder para bem informar foi objeto de cuidados desde os mais remotos tempos.
A Contabilidade por milênios limitou-se a informação, ou seja, a uma prática de orientação subjetiva, esta que também foi tônica no curso evolutivo de todas as demais ciências.


A pretensão de organizar os procedimentos começou de forma individual com as primeiras obras ensinando a registrar, mas, só alcançou seu ápice após a introdução do conhecimento contábil no campo da ciência, na primeira metade do século XIX.


Só no fim do referido século, todavia, se iniciaram as tentativas de universalização dos procedimentos, buscando normatizar.


Foi, todavia, na segunda metade do século XX que com maior empenho se realizou um intenso movimento normativo, com a intervenção de entidades de classe contábil e a influência das maiores empresas de serviços do ramo nos países democráticos, com a do Estado naqueles de regime autocrata (Alemanha, Itália, Rússia principalmente).


A imposição da aplicação das normas contábeis, todavia, através de leis que garantiram tal posicionamento ensejou uma transferência de poder estatal de controle de informação a entidades privadas.


POLÍTICA DE NORMAS E NORMAS POLÍTICAS
As normas que deveriam por efeito de racionalidade seguir os padrões científicos da Contabilidade, estes já bem amadurecidos no início do século XX, tomaram, todavia, outro direcionamento de acordo com as vocações políticas e feitios dos que passaram a dominar as entidades particulares normativas.


Um critério de conveniência, em vez de um rigorosamente racional procurou servir aos diversos interesses de grandes grupos empresariais (notadamente de especulação financeira), autoridades governamentais, especuladores nos mercados de capitais (segundo a imprensa).


Escândalos sucessivos havidos no mercado financeiro, em face da falsidade informativa foram ocorrendo, até que na década de 70 gerou no Senado dos Estados Unidos uma comissão parlamentar de inquérito que acusou de “conluio” os especuladores financeiros, as maiores empresas de auditoria (na época oito) e as entidades de classe (dominadas pelas transnacionais de auditoria).


Uma forte pressão política fez com que não se alterasse o quadro e outros escândalos foram ocorrendo (ENRON, QWEST, PARMALAT etc.).


No momento atual, segundo denuncia o prestigioso jornal El País, de Madri, de 19 de julho, ainda há mais tendência em acomodar que em reparar os defeitos, enquanto o dinheiro público é vertido para os Bancos e a impunidade impera em relação a apuração de responsáveis perante o macro desastre financeiro de trilhões de euros.


NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE
Acompanhando o curso histórico dos fatos é possível compreender como tudo foi sendo organizado para o exercício do poder que a informação oferece e que pode influir na manipulação de informes sobre as situações de empresas e instituições.


Iniciando todo um fluxo a entidade particular FASB (“Financial Accounting Standards Board”) em julho de 1973 sucedeu ao “Accounting Principles Board (APB)” nos Estados Unidos e em 1977 ensejou a criação do SIC, este destinado a “interpretar” procedimentos (época em que fervilhavam acusações sobre maquiagens de balanços apoiadas em normas).


Dois dias depois de criado o FASB nasceu “coincidentemente” o “International Accounting Standards Committee” (IASC), ente que depois de 2001 seria denominado IASB (entidade privada sediada na Inglaterra, atualmente financiada basicamente pelas transnacionais de auditoria, da qual se vem traduzindo e copiando as Normas).


Em 1969 e 1970, o “Accounting Standards Steering Committee” foi criado no reino Unido e Irlanda, substituindo a atuação do “Institute of Chartered Accountants in England and Wales” com o objetivo de produzir “normas”.


Essa série de medidas “coincidentes” içou (através de força na mídia) a expressão “Standards” e depois a de “International Accounting Standards”, que se tem difundido como Normas Internacionais de Contabilidade (NIC); para a implantação desse sistema, segundo o divulgado, foram investidos muitos milhões de dólares.


Ocorre, todavia, que na prática o regime foi incompetente para evitar as crises financeiras quando poderia ter impedido tais eventos se as normas tivessem respeitado a ciência contábil, a lei e a ética; ninguém teria perdido tanto dinheiro por que não investiria em empresas de ativos podres e resultados fictícios.


Um processo informativo contábil que não espelha a realidade objetiva patrimonial de empresas e instituições não se faz digno de confiança e passa a merecer o descrédito.


VÍCIOS E DESCRÉDITO DO PROCESSO NORMATIVO
Os vícios do processo normativo que se denomina “internacional” são muitos, mas, os principais se encontram no tangente a lesões a didatologia, a doutrina científica, a exigência legal e o valor social.


À má qualidade didática das normas denominadas internacionais associa-se a falta de respeito ao regime conceitual, à lógica (o contraditório se encontra em muitos casos), ao regime objetivo da ciência, ao direito individual e societário, com reflexo humano grave como o relativo ao macro desastre financeiro gerado pela crise atual.


Fatos como os ligados ao denominado ”Valor Justo”, imobilização do Arrendamento Mercantil, Intangíveis, Alienação de imóveis, seriam suficientes para argumentar sobre grandes vícios que promovem alterações substanciais na apuração dos lucros e das perdas.


Tão graves são as consequências que é de prever-se a continuidade de crises se não se reverter o processo monocrático de imposição de procedimentos como os referidos; essa a concepção da cúpula de política financeira da Comunidade Européia e de grandes intelectuais da Contabilidade.

Segundo noticiário Dow Jones, em julho de 2009 (edição de Revista Contábil & Empresarias Fiscolegis) os ministros da União Européia criticaram os padrões contábeis de “valor justo”, durante encontro que realizaram.


O comunicado das autoridades referidas pediu novos padrões internacionais de Contabilidade e afirmou que "Essa crise enfatizou que a determinação de valor atual de certos ativos financeiros pode subestimar os riscos em períodos positivos e exagerá-los em desacelerações"; ou seja, o que as normas fixam são critérios subjetivos, logo, não científicos.


Portanto, o descrédito atribuído às normas denominadas como “internacionais”, lançado pelos ministros da União Européia, é coerente com as críticas que intelectuais sérios da Contabilidade manifestaram ostensivamente em muitos escritos, assim como com o que em meus trabalhos e conferências venho advertindo há mais de três décadas.

*Doutor em Ciências Contábeis pela Universidade do Brasil, escritor, economista, administrador de empresa

quarta-feira, 22 de julho de 2009

MITOS DERRUBADOS E ÁREA CONTÁBIL

Antônio Lopes de Sá

O prestigioso jornal de Madri “El País” de 19 de julho traz comentário sob o título “14 mitos derrubados após dois anos de crise”.

O noticiário inicia afirmando: “A crise abalou o capitalismo, este necessitado de reformas urgentes que estão custando a chegar. Há risco de que o poderoso “lobby” financeiro engesse as autoridades de modo que as reformas sejam apenas como cosméticos em face da tímida recuperação de valores a receber”.

Ou seja, admite o jornal que a crise indica a falência de um sistema e a existência de uma expressiva influência política de grupos que está sendo exercida para derrubar controles, autoridades e técnicos que possam criar obstáculos; ou ainda, revela que tudo indica que não se deseja mudar o cenário, mas, apenas “dar aparência de que se muda”.

Informa o periódico, todavia, que alguns famosos técnicos estão a reclamar maior transparência nas informações sobre a situação das empresas, em vez de se continuar a enganar o público com resultados falsos amparados em concessões normativas.

Oferecendo a opinião de intelectuais eleitos pelo jornal o noticiário é categórico em afirmar que as votadas normas contábeis não mudarão o cenário enganador que levou à crise; isso por que o normatizado até aqui, pelos efeitos notoriamente causados, evidenciou-se como incompetente para que a transparência das situações empresariais se operasse sem riscos.

Denunciando vários mitos derrubados com a crise, carente de reformas para que se altere o sistema capitalista canibal, dentre eles e no campo contábil, enfatiza “El País” às normas e ao comportamento dos auditores; lança a suspeição de ocultação de fraudes e falhas de clientes, uma vez que remunerados por estes (assim está publicado, induzindo a crer na “falsa independência”, evidenciando o fato como mais um mito derrubado).

Por ter influência no regime das demonstrações informativas a publicação referida ressalta que foi igualmente um grande erro dar-se demasiado crédito ao mercado (tese do Valor Justo), em virtude deste ser manobrável; ou seja, ao se manipular o mercado se mascaram informações contábeis quando estas se apóiam na imprudência (e esse é outro mito derrubado).

Essas mazelas que no dia 19 de julho foram matéria de relevo no famoso “El Pais” são as que também publicamente denunciei no dia 14 do mesmo mês, no Congresso Nacional dos Auditores do Tesouro Estadual e Distrital; muito antes da crise, todavia, há anos, adverti em conferências feitas em diversas partes do Brasil e da Comunidade Européia sobre as falhas e o mau regime adotados na elaboração das normas contábeis.

Sem ser êmulo de Daniel, Cassandra, Merlin, Malaquias, Nostradamus, Caliostro, Rasputin, de qualquer deles quanto a advertências sobre o futuro, apoiado na verdade que a ciência contábil oferece como realidade, afirmo que realmente temo pelo que possa vir a ocorrer no Brasil em matéria de manobras de lucros e perdas, assim como de ativos, em decorrência das leis 11.638 e 11.941, assim como das fortes influências políticas, essas que chegam até a operar mudanças nos quadros da administração tributária.

Os poderes não parecem dar provas de real competência na questão, se observada a conduta dos mesmos sob o prisma de Tejeiro; esse intelectual, um dos maiores lideres culturais e de classe da Espanha, há pouco, ao ser admitido na Real Academia de Ciências Econômicas e Financeiras, foi enfático na conclusão de seu discurso de ingresso, sobre o comportamento estatal, lecionando que deve assemelhar ao das empresas no que tange a perseguição de objetivos; como objetivo do Estado é o todo social e não apenas discriminadamente o de grupos da sociedade, é nesse particular que está falhando o sistema, segundo o enfoque do emérito mestre referido.

Afirma “El País”, em favor da tese que gerou a matéria editada, que a prevalecer o estado atual de coisas o que se está armando é outra “borbulha” que poderá vir a explodir brevemente; ou seja, coloca dúvida sobre as providências atuais, no sentido de que possam vir a resultar em um sincero saneamento; acusa, sim, os fatores “privilégios” e “impunidades” como máximas colocadas a serviço de um sistema cruel desonesto e especulativo; lamentável é que a Contabilidade esteja sendo acusada de uso em tal processo.

A confusão estabelecida no campo das “convergências”, a péssima didática das Normas, desrespeito aos preceitos lógicos e a má qualidade das mesmas (em face da ciência e do critério de legalidade); a pressa e a pressão exercida na implantação das modificações; as marchas e contra marchas de negociações sobre aplicações de procedimentos; a muita publicidade paga; a conivência de entidades, sustentadas com altas verbas e até a interveniência do Banco Mundial (conforme anunciado), tudo isso forma um complexo que a história certamente julgará e que tanto tem sido objeto de advertência de mestres e de parte de uma imprensa preocupada com a realidade.

A denúncia do prestigioso jornal, embora não exclusiva, mas, bem recente, confirma tudo o que exaustivamente tenho tentado fazer ver aos meus leitores, alunos e colegas, em razão das lesões à profissão contábil; enquanto isso, por outros lados “ouvidos moucos” de entidades públicas permitem e até ajudam o prosseguimento da malsinada marcha.

Com acidez de palavras, todavia, ainda além vai o “El País”, levantando a tese de que os Bancos receberam altas somas do poder público para que se recuperassem, mas que julgados não foram pelas perdas causadas à sociedade.

Finalmente, atribuindo a declaração a um técnico da IESE o jornal enfaticamente insere em seu comentário que se “força a mentir para lucrar-se cada vez mais”.

Ou seja, insinua que a falsa informação contábil sobre a situação das empresas é veículo na sustentação de um capitalismo canibal o que é deveras lamentável, pois, o uso do conhecimento para fins viciosos é além de aético uma tragédia do ponto de vista social e humano.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

X PROLATINO: Uberlândia 19 a 20 Nov 2009

O PROLATINO, com nove edições em dez anos, é um movimento cultural consagrado. O ritmo acelerado e a transformação da cultura contábil sob os impactos da informática, da telemática, da cibernética, da globalização dos mercados e da concentração de capitais, exigem atualização constante e ágil de conhecimentos, assim como preparação de profissionais de alta qualidade. Esta é a missão do Congresso Internacional do Mundo Latino.

A aproximação e a difusão da cultura contábil de estudiosos, principalmente dos países de línguas latinas, em especial da comunidade contábil de língua portuguesa, melhora o interesse pela integração, visando atualizar profissionais e professores e promover a educação continuada altamente classificada paralelamente ao estímulo para o crescente valor da Ciência Contábil.

OBJETIVOS

• Avaliar o progresso científico-contábil no mundo latino.

• Ensejar debates livres e convivência com autoridades intelectuais.

• Atualizar e harmonizar conhecimentos.

• Harmonizar a linha cultural latina com o mundo acadêmico internacional.

• Proteger a cultura latina, que é uma das origens da Ciência da Contabilidade.

• Ensejar meios de um constante progresso científico e desenvolvimento de pesquisa no mundo latino.

• Incentivar a reflexão sobre o conhecimento, enfatizando sua filosofia.

• Motivar a mentalidade da prosperidade socioeconômica por meio de intercâmbio de modelos contábeis.

• Associar a cultura nacional de cada país à cultura internacional de língua latina.

PÚBLICO-ALVO

Contadores, profissionais de mercado, professores, gestores do ensino, dirigentes pedagógicos, alunos bolsistas de pesquisa, alunos mestrandos e doutorandos dos cursos de Ciências Contábeis.


SITE OFICIAL DO EVENTO: http://www.prolatino.com.br



Veja noticias sobre o IX PROLATINO, realizado em 2008 em Portugal:

sexta-feira, 3 de julho de 2009

O SILÊNCIO CONTÁBIL

Marcelo Henrique da Silva – Julho/2009

Resolvi contabilizar o silêncio. Isso mesmo, o silêncio. Não qualquer um, mas o meu silêncio. O meu silêncio!

Não, não se espantem. Pensem. Respostas não há; dúvidas, muitas.

Este, o silêncio, sabe-se, é um patrimônio. Inclusive possui cotação de mercado, é valorável.

Paga-se pelo silêncio. Vende-se o silêncio. O silêncio é negociável.

Em alguns locais, lugares, o silêncio vale mais que em outros; dependendo do silêncio o valor ganha proporções inimagináveis (v.g. Senado Federal, nos dias atuais).

O silêncio preserva, destrói, muda, cria, recria.

O silêncio é patrimônio. Possui valor. É contabilizável.

Na Constituição Federal o silêncio constitui um direito fundamental, intocável e inalienável. Temos o direito de permanecer em silêncio (calado), de se recusar a responder perguntas. Temos direito, pelo silêncio, de não produzir provas contra nós mesmos.

Nesta mesma Carta, temos que o silêncio pode ser um introdutor de leis no Direito Positivo. Um projeto de lei votado no Congresso Nacional e enviado a sansão presidencial, decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sua sanção automática.

O silêncio é amplamente regulado pelo direito. No campo das sociedades, o Código Civil estabelece que no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade.

A Lei das S/A também utiliza a regra do silêncio, ao decretar que no silêncio do estatuto e inexistindo deliberação do Conselho de Administração, competirão a qualquer diretor a representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular.

No regimento interno do Senado Federal consta que é permitido a qualquer pessoa assistir às sessões públicas, do lugar que lhe for reservado, desde que se encontre desarmada e se conserve em silêncio.

O silêncio cria o direito. O direito regula o silêncio.

Há silêncio nas leis, as (mal compreendidas) lacunas da lei.

O direito regula o silêncio quando trata dos crimes de concorrência desleal, ao prescrever que comete crime de concorrência desleal quem divulga (quebra o silêncio) sem autorização, informações ou dados confidenciais.

A quebra do silêncio pode gerar indenizações; a manutenção do silêncio pode ser adquirida, e legalmente, numa espécie de limitação da concorrência, um silêncio pra deixar de divulgar, deixar de fazer.

O silêncio é patrimônio. Regula e é regulado pelo direito.

Há outros silêncios. Lya Luft escreveu sobre o Silêncio dos Amantes; o filósofo alemão Nietszhe, nos seus Discursos de Zaratustra, descreve que após um sono, ao abriu os olhos, “olhou para o meio do bosque e do silêncio”. O meio do silêncio!

Augusto Cury propõe um silêncio filosófico, esclarecendo que a oração dos sábios é o silêncio.

Rubem Alves nos brinda com uma experiência sobre a Liturgia do Silêncio. Um silêncio que alimenta e que tem gosto bom!

Não basta o silêncio de fora. É preciso o silêncio dentro. Quando se faz silêncio dentro, aí sim, começamos a ouvir coisas que não ouvíamos.

Eu comecei a ouvir.

O meu silêncio é patrimônio do ser e do dever-ser, é natural e é regulado pelo direito.

Tenho o direito de permanecer em silêncio, um ativo. Posso aliená-lo, assumo uma dívida de permanecer em silêncio, um passivo.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto os Ministros das Palavras Contábeis impõe a todos a pseudo-obrigação de adoção do padrão contábil específico da Lei 11.638 a todas as empresas brasileiras. Mesmo que esta, a imposição, decorra de uma construção normativista nos moldes dos castelos de cartas de baralhos, com informação unidimensional. Não se sustentam ao primeiro sopro de luz (sopro de luz!?).

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto esses Ministros impõem a teoria do medo a analfabetos funcionais. Os primeiros, convictos, estabelecem que a indisciplina ao padrão contábil específico da Lei 11.638 será punida com multa pelos delegados, cabendo o ônus ao contador, ou àquele que se insurgiu. Os outros (os segundos), profissionais da contabilidade, mas analfabetos funcionais no que se refere ao universo jurídico das normas jurídicas (sabem ler o texto, mas não compreendem o contexto), são presas por demais fáceis para o poder das palavras dos Ministros e de seus patrocínios.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto leio, no endereço www.cfc.fipecafi.org, sobre dúvidas da Lei 11.638 e que este padrão contábil específico “não” se aplica às cooperativas, às optantes pelo Simples Nacional, às tributadas pelo lucro presumido e arbitrado.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto vejo o IASB debruçado em projetos para normatizar o padrão contábil das sociedades não obrigadas a adotar o padrão das S/A e das Grandes Empresas, “o que por si só demonstra que as atuais normas destinam-se à grandes corporações, tendo inclusive uma diretoria exclusiva para tal segmento” (no IASB).

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto os parlamentares que acompanharam o projeto de lei que redundou na Lei 11.638 afirmam que este, o projeto, buscou conferir maior proteção aos “acionistas minoritários”, com vistas a atrair entrada de novos recursos e permitir o desenvolvimento seguro do “mercado de capitais”.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto o art. 3º da Lei 11.638 manda aplicar aquele padrão contábil específico apenas às S/A e Grandes Empresas. Nessa os Ministros me acompanham, também ficam em silêncio.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto os Ministros defendem um único padrão contábil brasileiro, mas não explicam qual o padrão contábil das entidades sem fins lucrativas, dos órgãos e entidades públicas, ...

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto o Poder Judiciário impõe derrotas e mais derrotas aos normativistas da contabilidade, aos construtores de castelos.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto os tribunais decretam que as Resoluções dos Conselhos são atos inferiores a lei, não podendo contrariá-la, restringi-la ou ampliá-la, uma vez que o ordenamento jurídico pátrio não permite que atos normativos infralegais inovem originalmente o sistema jurídico.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto os tribunais decretam que os livros, demonstrações e documentos contábeis pertencem a empresa, não ao contador, e não podem ser fiscalizados ou requeridos por Conselhos.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto as normas jurídicas decretam que os profissionais da contabilidade não podem fornecer a quem quer que seja, exceto a própria empresa e a autoridades tributárias, os livros, demonstrações e documentos contábeis pertencentes à empresa.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto o Guardião da Constituição, refiro-me ao STF, confirma que os escritórios de contabilidade possuem garantia da inviolabilidade domiciliar, não se admitindo a quem quer que seja a apreensão de livros contábeis e documentos fiscais sem mandato judicial.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto leio sobre ética contábil, com texto escrito em softwares piratas (ou softwares não contabilizados); enquanto vejo opiniões, laudos e auditorias patrocinadas.

Tenho um direito, o de permanecer em silêncio (calado).

Vou contabilizá-lo no meu patrimônio, no ativo. Um direito.

Permaneço em silêncio.

Um dia, quem sabe, a gente se encontra, e, no silêncio, abro minhas portas para o mundo.

Quem sabe ouço os conselhos contidos na música Pai, de Fábio Jr: ...eu não faço questão de ser tudo, só não quero e não vou ficar “mudo”...

Claro, desde que não seja submetido a um silêncio obsequioso, o mesmo imposto a Leonard Boff.


Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.