sábado, 15 de agosto de 2009

RISCOS CULTURAIS EM CONTABILIDADE

Antônio Lopes de Sá

Informar sobre a riqueza dos empreendimentos é tarefa contábil, mas, requer, para tanto, respeito a disposições racionais que guiam a pertinente disciplina.


O que entender sobre os fatos sucedidos, como determinar atributos, julgamentos e por conseqüência conceitos é algo que demanda cultura, inteligência, racionalidade, atualização.

Entretanto, algumas vezes o referido como “inovação” tem sido em realidade retrocesso.

Como a evolução é a lei natural, o retroagir cria sempre um período de penumbra no processo do conhecimento, quando não termina por ser mesmo uma total escuridão.

Em razão dessa verdade foi que o cognominado pai da Química Moderna, Antoine Laurent de Lavoisier (1743 - 1794), intelectual famoso dos fins do século XVIII, advertiu na Introdução de seu "Tratado Elementar de Química", que "da palavra deve nascer a idéia" e a "idéia deve ater-se ao fato"; a importância dessa máxima está diretamente associada àquela da grande inteligência do autor e do que a obra representou para a ciência.

Essa expressiva lição, acolhida, no passado, por gênios do conhecimento é ainda a que eminentes pensadores contemporâneos sustentam em suas obras (veja-se, por exemplo: MARITAIN, Jacques - A ordem dos conceitos, Lógica Menor - 13a. Edição Agir, Rio de Janeiro, 1995); a verdade não tem idade por que se situa acima dos tempos e dos espaços.

No encalço de um posicionamento racional sobre a concepção das evidências patrimoniais, através dos balanços, em Ativo e Passivo, na busca do verdadeiro significado, foi que se realizaram esforços intelectuais desde remotos tempos; emitir conceitos é uma responsabilidade da razão humana.


Só, no entanto, no século XX, quando o positivismo já consolidara seu lugar no progresso das ciências, que em Contabilidade o russo Leo Gomberg produziu em 1903 adequado entendimento sobre a questão, na obra “Einzelwirtschaftslehre”.

Conceituou o Ativo como o efeito da “aplicação de capitais próprios ou de terceiros”.

Tal definição, logo a seguir foi adotada na obra sobre a “filosofia das contas”, de Charles E. Sprague, editada em 1907 (várias vezes reeditada em New York pela Ronald Press sob o título “The Philosophy of Accounts”) quando esse autor reforçou a tese de que se faziam necessárias concepções rigorosamente lógicas para o entendimento contábil; quer na Europa, quer na América, portanto, o conceito referido prosperou, por representar a realidade constatada.

As escolas científicas italianas, firmando-se no materialismo contábil nascido em 1840 com Villa, mesmo perante os abalos do personalismo de Cerboni, a partir de um renascimento doutrinário adotado pela escola de Veneza, a partir da década de 30 do século XX, aderiram integralmente à concepção de Gomberg.

O rigor lógico, a verdade contida no conceito de Ativo como “efeito”, “aplicação” ou “investimento” por axiomática tem prevalecido, ressalvado o que alheio à ciência tem fluido do empirismo, de normas produzidas por entidades particulares.

Fato incontestável é que não existe “geração espontânea” em matéria física, orgânica, nem patrimonial que pudesse ter sido demonstrada até os nossos dias; investimentos são frutos de capitais que os ensejam, ou seja, o recurso é uma precedência e o ativo uma conseqüência sob a ótica da estrutura patrimonial.

Definir, pois, Ativo como “recurso” fere ao princípio lógico de causalidade adotado universalmente pelas ciências, logo, também, uma lesão à racionalidade.

Admitir como possível formar patrimônio sem que exista suporte de uma origem é fantasiar ou falsear, blindando a inverdade.

Ensinar, partindo de conceito falso é condenável, aético, desumano.

O risco cultural está exatamente em deformar mentes pelo ensino mal guiado, pela opção por falácias como se realidades pudessem ser.

Adotar, pois, o conceito de Ativo como sendo este um “recurso” é retroceder um século; a idéia expressa pela palavra é responsável pela identificação dos julgamentos, estes que no caso devem exprimir relação de identidade entre dois termos, fundamentada na experiência da constatação perante a causalidade.

Se o que se exprime é uma ordem de equilíbrio de conjuntos de valores, como é o caso do Balanço, o envolvimento entre as partes (Ativo e Passivo) deve ser considerado em face da essência que é a riqueza patrimonial.

Recursos são as causas, ou seja, os suprimentos de capital, tanto de origem própria, quanto através de dívidas e isso é o que evidencia o identificado na outra face do balanço que impropriamente, “lato sensu”, se denominou como Passivo.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

UMA QUESTÃO DE CONTEXTO, A FRAQUEZA CONTÁBIL

*Marcelo Henrique da Silva – Agosto/2009

Recebi um SPAM, e-mail não solicitado ou desejável. Infelizmente não foi direto pro lixo eletrônico. Tive que deletar, mas, nesse caso, vi se tratar de um curso chapa-branca sobre contabilidade no padrão da moda, da Lei 11.638. De pronto, em negrito, é possível ver estampado a frase profissional-financeira dos argumentos (sic) do evento: “aplicável a todas as sociedades brasileiras, independentemente da sistemática de tributação por elas adotadas – cf. Resolução CFC”.

Os diplomatas dos saberes contábeis, eruditos de última hora, numa visão unidimensional da matéria, e com a utilização da teoria do medo e de um suporte chancelar autoritário, se socorrem de “textos” para a criação de uma obrigação que decorre, em verdade, de um “contexto jurídico-normativo”. Normas jurídicas, enfim.

Com fundamentos (sic) literais, o medo e o poder autoritário chancelador, aliado a um analfabetismo funcional jurídico dos profissionais da contabilidade, temos um poder deteriorando o respeito às normas jurídicas positivas (não confundir com leis), no que se aplica ao universo contábil. Ou, noutras palavras, acorrentando o pensamento contábil a uma única visão, dos sábios, convictos, amigos do e pelo poder, donos imantados da verdade absoluta, autoridades da nova “corrente” contábil. Acorrentados! Acorrentando-nos de pernas e pescoços, de tal maneira a que permaneçamos no mesmo lugar a olhar em frente, sempre para um mesmo ponto, uma mesma visão; uma verdade do autoritarismo cego.

O “texto” do item 2 da Resolução CFC 1.159, reduzida a sua literalidade, necessária aos fundamentos (sic) daqueles que buscam acorrentar – a nova “corrente” contábil, induz a que “todas” as sociedades brasileiras, independentemente da sistemática de tributação por elas adotadas, estão obrigadas a adotar o padrão contábil específico da lei 11.638.

Nada mais inocente! Conhecimento literal e unidimensional!

O apego a literalidade do texto normativo só encontra razão para o autoritarismo, para opiniões profissionais-financeiras, para e pelo poder... e isso salta à vista!

O autoritarismo, vejam, rejeita toda e qualquer possibilidade de crítica ao seu modo de pensar. Prefere a concordância com tudo o que faz ou pelo menos o silêncio que mostra não lhe haver oposição. Prefere mesmo é impor o silêncio, um silêncio amargo e forçado.

Autoritarismo contábil explícito: ou segue minhas verdades, ou...

Não há outras possíveis!?

Quando o déspota contábil percebe que o “saber” é uma forma de “poder”, ele faz tudo pra obstaculizar o acesso de “seus súditos” ao saber. Disfarça-se de democrata contábil ao “ensinar” “como fazer” contabilidade internacional, a favor da ignorância e do pensamento único. Único da autoridade.

Com o texto do item 2 da Resolução CFC 1.159, reduzido pelo autoritarismo contábil a sua infeliz literalidade, chancelado e aliado à teoria do medo, facilmente chega-se à implicação de que “todas” as sociedades brasileiras estão obrigadas a adotar o padrão contábil específico da lei 11.638.

Visão puramente literal, repita-se! Texto sem contexto!

Texto sem contexto?

Adverte o professor Dr. Sérgio Alves Gomes que na interpretação de um texto jurídico-normativo entram em cena “o intérprete, o texto e o contexto”.

Não há texto sem contexto.

Sabe-se que as palavras e expressões têm dois níveis de significação. Um é o de base, cuja descoberta basta o exame do “texto”, em sua literalidade, num sentido congelado, frio. Outro é o significado “contextual”, cuja identificação exige mais, que se faça “uma incursão no âmbito em que se encontra o texto”. A mensagem nunca se esgota na significação literal das palavras empregadas. Donde leciona José Roberto Vieira, que “somente o mergulho contextual tem a possibilidade de nos oferecer a plenitude do significado”.

Uma ilustração eloqüente do relevo da questão do “texto” e do “contexto” é encontrada na estória do “Maiô completo ou Completa nudez!”.

De forma sintética, a questão é mais ou menos assim (adaptada das palavras de José Roberto Vieira)...

Numa bela praia qualquer, freqüentada por banhistas, esportistas, caminhantes, famílias etc., estamos a sentir a agradável areia úmida com nossos pés descalços, quando nos deparamos com uma placa, com letras nítidas, ostentando o seguinte aviso: “É PROIBIDO USAR BIQUÍNI”. Surpreso, pois ontem a placa inexistia neste local, passamos a interpretá-la: “proibir” é um ordenar que não faça; “usar” é ter por costume; “biquíni” é um traje feminino de banho de duas peças. Com a natureza da ordem, não resta dúvidas quanto ao aviso da placa: impede-se a utilização de biquíni na praia, determinando, pois, o uso de traje mais discreto e reservado: certamente um maiô completo!

No dia seguinte, novamente naquele local da placa, verificamos apenas as marcas deixadas pela perfuração da haste que sustentava a placa. A placa foi retirada. Sem placa, sem proibição. Nada de obrigação do maiô completo!

Continuando a caminhada, um tempo depois, deparamo-nos com uma faixa da orla restrita, fechada para o público em geral. Trata-se de um clube de nudismo, confirmamos! Numa recepção, na fachada da entrada do clube, uma placa, a mesma de ontem: “É PROIBIDO USAR BIQUÍNI”. Não há duvida, é a mesma placa de ontem. Agora, a aparência desta parece menos castradora. Voltamos a postar-nos diante da placa, outra vez interrogamos, outra vez pondo-nos a cismar quanto as possíveis razões para aquela mesma vedação, agora numa sociedade de nudistas. A mesma locução verbal, o mesmo verbo, o mesmo substantivo. E... outra mensagem!!! O aviso da placa conserva seu caráter de mandamento, obstando o uso de biquíni no recinto, mas como se trata de outro ambiente, de um clube de nudismo, o sentido não permanece o mesmo da praia aberta, e aqui, ao invés do comando induzir ao uso do traje de banho mais recatado, resulta indubitavelmente na utilização de roupa nenhuma: certamente completa nudez!

O mesmo texto, contextos diferentes, significação contextual diferente.

Isso tudo equivale a uma interpretação de que não há texto sem contexto. Uma visão sistemática do comando normativo, texto com contexto. Uma necessidade constante para a liberdade dos grilhões, das correntes, acorrentados...

No contexto do texto do item 2 da Resolução CFC 1.159, numa análise sistêmica, com contexto, com visão pluridimensional do conhecimento jurídico inter e transdiciplinar, é possível estabelecer, numa fusão de horizontes libertadora, que “todas as sociedades ‘de grande porte’, independentemente da sistemática de tributação por elas adotadas, estão obrigadas a adotar o padrão contábil específico da lei 11.638”.

As normas jurídicas, em sua contextualidade, prescrevem que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de “lei”; as leis positivadas, inclusive as famosas (e carentes de análises livres) leis 11.638 e 11.941, não obrigam a adoção daquele padrão contábil específico a “todas” as empresas, exceto às sociedades anônimas e outras de grande porte (basta uma leitura atenta ao caput do art. 3º da lei 11.638, para que se confirme esse contexto); na tramitação do projeto de lei que resultou a lei 11.638 ficou assentado que se busca conferir maior proteção aos “acionistas minoritários”, com vistas a atrair entrada de novos recursos e permitir o desenvolvimento seguro do “mercado de capitais” (o DNA da lei 11.638 é de sociedades anônimas e de empresas de grande porte, para tanto basta uma análise contextual histórica deste projeto de lei); as resoluções, enquanto atos inferiores a lei, não podem contrariá-la, restringi-la ou ampliá-la, uma vez que o ordenamento jurídico pátrio não permite que atos normativos infralegais inovem originalmente o sistema jurídico, ou seja, ninguém está obrigado a adotar o padrão contábil da lei 11.638 em decorrência do texto das Resoluções, mas apenas motivado por um contexto jurídico-normativo.

Agora sim, texto com contexto!

Percebe-se que no texto, necessário ao autoritarismo contábil, “todas” as sociedades estão obrigadas a seguir algo; no contexto jurídico normativo, “todas (apenas) as sociedades anônimas e aquelas outras de grande porte” estão obrigadas a seguir algo. Nos termos da lei, repita-se!

O mesmo texto, contextos diferentes, significação contextual diferente.

O texto do item 2 da Resolução CFC 1.159, possui contexto, onde, em respeito as normas jurídicas, consubstanciadas por análises histórica, gramatical e sistêmica, o padrão contábil específico da lei 11.638 é aplicável a “todas as sociedades de grande porte”, independentemente da sistemática de tributação por elas adotadas, se real, presumido ou arbitrado.

O “todas” (literal) da Resolução CFC 1.159 é a “placa” da nossa estória, necessita de um contexto jurídico-normativo.

Lembre-se, não há texto sem contexto!

O olhar hermenêutico percebe que há um grande abismo entre texto, dos diplomatas dos saberes contábeis, e o contexto jurídico aplicável. No contexto se constrói um saber jurídico plural, inter e transdiciplinar; um saber ao mesmo tempo dogmático, mas também hermenêutico e crítico. Somente a partir daí é possível vislumbrar uma contabilidade internacional, e não em razão da cega ignorância, das correntes que aprisionam o livre pensamento consciente e consistente, num autoritarismo contábil.

Somente o conhecimento sistemático, em suas múltiplas conexões, pode realizar o verdadeiro percurso libertador das atuais, e literais, “correntes” contábeis, dos eruditos. Estas que nos “acorrentam” em ensinamentos de como “fazer”, não de como “pensar” (pensamento libertador).

Vale reafirmar que na interpretação de um texto jurídico-normativo entram em cena o intérprete (você), o texto (a Resolução CFC) e o contexto (jurídico-normativo).

Na “corrente” o texto; “contra a corrente” o contexto. Na fusão de horizontes, o “intérprete”, você mesmo!

Liberte-se...

Realmente, e definitivamente, sou contra a corrente! Livre...

=======================================
Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.