Marcelo Henrique da Silva
Maio/2011
Maio/2011
No ponto da fiscalização do Conselho Contábil não há propriamente um sujeito de direitos. Ele está, nos dizeres de Juliano G. Pessanha, desrealizado; está fora de cena. É apenas quando toma parte na cena que o sujeito ganha realidade e adquire fisionomia.
Pode parecer paradoxal, mas participar da cena é estar fora; é ser diferente. É preciso fugir da força do “espírito de rebanho” que condiciona seguir os outros; é preciso coragem. Lya Luft percebeu isso ao afirmar que se almejamos algum tipo de liberdade é preciso escolher, com audácia se for preciso, que portas vamos abrir ou ignorar – no cenário há várias portas, que se repetem mais atrás, e mais ainda, numa perspectiva que confunde. A porta...
Com disposição e coragem posso começar a fazer minhas escolhas: ser diferente e estar fora e dentro da cena, ou permanecer manejado por cordões que me movimentam.
Quero tomar parte da cena? Que portas abrir? Boneco manipulado? Comodismo? Mediocridade? Insubmissão... Não a insubmissão pela insubmissão, nada disso. Falo de uma insubmissão na linha da “boa transgressão”, proposta pela Lya Luft, qual seja, a de escapar da manada e indagar, duvidar, questionar, não com rebeldia sem sentido, mas para abrir horizontes.
A “fusão de horizontes” proposta por Hans-Georg Gadamer.
O início pode ser com uma pergunta – somos levados a filosofar –, e pode ser a colocada pelo poeta Pablo Neruda: – Foi onde que a mim me perderam que logrei enfim me encontrar?
A porta... Quero tomar parte da cena? Sou um sujeito de direito nessa fiscalização do Conselho Contábil? Insubmissão...
A realidade jurídica desse sujeito de direito passa, inexoravelmente, pela poesia, e isso se confirma pelas palavras do jusfilósofo Paulo de Barro Carvalho, que, ao tratar do pensamento de Villém Flusser, sentencia que “o legislador torna-se o poeta do direito, aquele que tem (e transmite para dentro da conversação) pensamentos novos. A poesia, produtora da linguagem, assume aqui a condição de produtora do direito”.
Nessa cena o sujeito de direito busca participar, busca a palavra, a palavra inaugural... Com a palavra, o Poder Judiciário – interprete autêntico...
Sobre a ausência de um sujeito de direitos na cena da fiscalização do Conselho Contábil, a Justiça Federal no Paraná assim se posicionou, no mérito, no último dia 15/03/2011, inaugurando a palavra: “Concedo a ordem pleiteada, nos termos da fundamentação, para o fim de desobrigar a impetrante de fornecer ao Conselho Regional de Contabilidade - CRC/PR os livros e documentos contábeis de seus clientes, bem como os Contratos de Prestação de Serviços Profissionais e a Relação de clientes que estão sob sua responsabilidade técnica”.
A decisão judicial coloca o “Eu, contador” na cena; um sujeito de direitos. Porta escolhida; palavra instaurada; modificação da ordenação jurídica das condutas.
Toda compreensão é poesia, disse a Adélia Prado.
Na compreensão dos valores o interprete autêntico anotou que “como bem aponta o parecer do Ministério Público Federal, o Conselho não está investido de poderes excepcionais que lhe permitam exercer a fiscalização do profissional contador através de livros e documentos contábeis de seus clientes, sendo necessário observar que estes dados estão submetidos à norma do art. 1.190 do Código Civil Brasileiro que prescreve que, ressalvados os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei”.
O pronunciamento do Ministério Público é consistente ao decretar que “é ilegal, portanto, a Resolução CFC 890, ao dispor que o Conselho ao desenvolver sua ação fiscalizatória, tenha acesso às demonstrações e escrituração contábeis das empresas clientes da sociedade/profissional contábil (livros e documentos contábeis)”.
Vale dizer, o “modus operandi” da fiscalização das sociedades e profissionais de contabilidade por parte do Conselho Contábil é incompatível com a ordem jurídica em vigor. Palavra inaugural, palavra do Poder Judiciário...
A cena de que o “Eu, contador” participa é o conjunto de significações do sujeito de direitos, naquilo que repercute finalmente na garantia da privacidade e no sigilo profissional.
Escolhi a porta... Estou na cena, tomo parte dela; estou realizado...
Não é incrível que este ator – Eu, contador – tenha que estar no puro lado de fora para tomar parte da cena?
Eu nunca estive a caminho...
Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.
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