Antônio Lopes de Sá
Os riscos aos quais os profissionais se sujeitam face aos segredos que devem guardar sobre fatos ocorridos com os seus clientes é algo que sem dúvida merece respeito especial.
Mais que uma responsabilidade civil é um dever ético a preservação do confiado sob sigilo.
Ocorre, todavia, especialmente quando há abuso de poder discricionário que lesões são praticadas a esse sagrado preceito referido.
Noticiário veiculado pela imprensa, em caráter sensacionalista, macula por vezes o bom nome de contadores, advogados, administradores, economistas, empresários e outros portadores de informações de clientelas.
Nos últimos anos, desde a época Collor muitos foram os envolvimentos em questão relativa a invasão de escritórios e residências de profissionais, sem que previamente ocorresse a pertinente autorização judicial.
As suspeitas de corrupção ativa e passiva levaram a atitudes de busca e apreensão de livros, documentos, registros, arquivos magnéticos, computadores, efetuadas por autoridades do poder executivo.
Realmente, os peritos governamentais que agiram dessa forma, por ordem superior, praticaram atos que em auditoria e pericia são tecnicamente tidos como de boa tecnologia, pois, é critério consagrado a “surpresa” como procedimento de apuração de irregularidades.
Ocorre, todavia, que o arresto de informes está regulado em lei e só ordem judicial pode amparar em determinados casos.
Em um País no qual a lei não se respeita reina a anarquia e domina o arbítrio.
A privacidade é uma garantia do cidadão assegurada no regime democrático, fazendo parte dos direitos do ser humano.
Por outro lado é, também, dever do poder público combater a fraude, a corrupção e os maus costumes.
Um conflito ético, portanto, se opera: de um lado o executivo preocupado em manter a moral, a ordem social e do outro o judiciário a proteger a privacidade constitucionalmente assegurada.
Essas fronteiras de respeito entre o poder público e o cidadão, ressaltadas pelos grandes pensadores, pelos pais da Sociologia, como Spencer (em sua obra o Estado e o Indivíduo), pelos doutos das ciências jurídicas e políticas (inclusive do famoso Machiavelli), merecem de quando em vez invasões e rechaços deveras significativos.
Acaba de ser proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) uma decisão que invalida provas obtidas pelo fisco em dependências privadas (por estas entendidas inclusive os escritórios sem acesso ao público), consubstanciadas em apreensão de documentos sem ordem judicial prévia.
Anteriormente o plenário do mesmo egrégio Supremo Tribunal Federal já havia se pronunciado a respeito de fato similar (Ação Penal nº 307 – DF) relativo ao rumoroso caso havido no governo Collor, ficando pacifica a questão de que um escritório sem acesso livre ao público representa extensão do domicílio da pessoa; a fundamentação da decisão da eminente corte foi a da inviolabilidade domiciliar.
Agora o tema volta à tona e de forma incisiva fica decidido ser nula a prova obtida, mesmo pelo fisco, pela administração pública em geral, quando resultante de apreensão defluente de invasão de escritório de profissional sem que esteja o ato protegido por mandado judicial; inclusive cerceada fica a apreensão de livros contábeis, documentos fiscais e afins em locais privados de exercício profissional sem a pertinente autorização do judiciário.
A matéria aqui comentada registra, pois, uma hierarquia de valores em uma situação Macro-Ética; consolida preceitos dos direitos do homem; sobrepõe a privacidade à técnica pericial; destaca a responsabilidade do judiciário como prevalente sobre aquela da preservação de uma suposta irregularidade; soa como afirmação democrática, contraposição ao ato praticado com abuso do poder discricionário.
A questão, todavia, não evitará, em meu entendimento, do ponto de vista ético, a chance de indagações derivadas de evocações sobre as linhas tênues entre a necessidade da manutenção da garantia individual indiscriminada e as de um racional combate à uma relevante corrupção lesiva à comunidade.
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