terça-feira, 25 de novembro de 2008

CONCEITO DE INTANGIVEL EM CONTABILIDADE

Antônio Lopes de Sá

Em Contabilidade “Intangível” é a qualidade de ausência de representação física de um componente do patrimônio face à função por este exeqüível.

Tal conceito científico é tradicional e assim foi acolhido pelos mais expressivos intelectuais da Contabilidade no século XX (basta citar Gino Zappa e outros, obra referida na bibliografia, página 84).

A classificação patrimonial do Ativo que a Lei 11.638 de fins de 2007 veio somente agora distinguir, surgida como “inovação modificadora” já era lecionada há trinta anos em minha obra “Aspectos Contábil da Nova Lei das Sociedades por Ações”, edição Atlas (1978); o tema, todavia, já estava definido em doutrina contábil há mais de seis décadas, constava de Planos Oficiais de contas na primeira metade do século XX na Alemanha (Plano Goëring) e França e já havia merecido considerações práticas há quase um século quanto ao Aviamento face à estrutura patrimonial (como na obra de Bellini, citada na bibliografia, página 69).

Conceito clássico, consolidado, realista, o denominado “Intangível” é atribuível ao componente patrimonial que não possui representação física compatível com a função que desempenha como utilidade no patrimônio de um empreendimento.

A questão funcional do elemento patrimonial não está, pois, racionalmente, dentro da realidade objetiva, condicionada ao que é “legal”, mas, sim, à “capacidade de suprir a necessidade”, rendendo utilidade; o aspecto de “direito”, na cultura contábil foi o abraçado equivocadamente na antiguidade quando procuraram estabelecer nos fins da idade média os primeiros conceitos, assim como no século XIX as primeiras doutrinas personalistas; agora, portanto, ressurge o apelo conceitual à equivocada e pretérita ótica “personalista”, como rótulo de “inovação”, nas ditas Normas Internacionais de Contabilidade (acolhida no Brasil pela Deliberação CVM Nº 553, de 12 de novembro de 2008, aprovando o CPC 04, este fiel à NIC 38 do IASB); em razão disso os que desconhecem a literatura contábil e a sua história referem-se ao retorno aludido como “modificação inovadora” o que na realidade é apenas reminiscência do arcaico regime, provado como falacioso em doutrina.

Em ciência contábil a questão da realidade objetiva que uma conceituação deve traduzir (esta que gera definições) não está no elemento Intangível poder ser vendido ou não, transferível ou não, lucrativo ou não; a intangibilidade está na “natureza do bem” este que se classifica pela correlação entre a representação física e a função que o componente patrimonial tem condições de prestar (assim se tem entendido e esta a realidade do ponto de vista racional perfeitamente perceptível).

A lógica da expressão no campo científico, aquela responsável pelos conceitos, tem compromisso com a realidade e não deve resultar de imaginação ou convenção que represente a conveniência de pessoas, entidades ou grupos.

A ciência não se constrói ao sabor de política e nem de ato compulsório ou algo dogmático.

É contracultural contabilmente admitir que um componente patrimonial deixe de ser considerado incorpóreo porque não pode dar lucro, ser transferido ou ainda utilizado.

Ao se pretender traduzir em palavra outra idéia relativamente ao Intangível ou de uma espécie dentro de tal gênero, logicamente se faz exigível buscar outra expressão ou um “conceito derivado restrito”, tal como lecionou Maritain em obra específica (referida na bibliografia, página 52), tal como o fez Einstein face aos conceitos de “relatividade”.

A falta de respeito à realidade objetiva, a adoção de critérios subjetivos de conveniência tende a gerar o caos e ensejar idéias confusas, fato que Infeld e Einstein já acusavam na famosa obra “A Evolução da Física” (referida na bibliografia) e Descartes condenava em suas lições (obras citadas na bibliografia).

Mesmo sem tendência científica, similar advertência sobre o conflito entre palavra e realidade foi feito no século XVII pelo filósofo preferido de Einstein, Baruch Espinosa, em seu “Tratado da Correção do Intelecto”, este admirador e seguidor que foi do excelso René Descartes (importante é observar essa corrente de celebridades na herança e seqüência do entendimento sobre o valor das expressões); complementando, ratificando conceitos, é ainda útil lembrar que assim também lecionou Wittgenstein, um dos precursores da “filosofia lingüística” (obra referida na bibliografia).
O conceito de “Intangível”, pois, em ciência contábil, acha-se ligado a irrelevância dos elementos físicos em contraposição à relevância da função que desempenham, ou seja, na razão inversa entre tais aspectos; essencialmente não se prende o referido a relações de direitos, obrigações, mercadológicas ou especulativas para fim de atribuição de qualidade; é contrariar o preceito da essência sobre a forma admitir diferentemente do referido.

O conceito contábil como unidade de um conhecimento sistemático que é, a este deve representar com estrito respeito à qualidade e “realidade objetiva” o que em assim não sendo o faz inválido ou falacioso.

Em ciência não há lugar para homonímia e nem a expressão que representa a idéia pode ser uma ficção ou visão monocular de fatos; como é o conhecimento científico aquele que representa a verdade, como esta é relevante responsabilidade na área contábil, os conceitos que de tal ótica se distanciam deixam de merecer fé perante a “realidade objetiva” patrimonial.

BIBLIOGRAFIA (obras citadas e consultadas)
AECA – Marco Normativo Internacional de Valoración nº. 9, Comisión de Valoración de Empresas, Madri, 2008

ALBERTO, Fernanda Cristina Pedrosa – A valorização dos ativos intangíveis identificados, em Jornal de Contabilidade nº 319, Lisboa, Outubro de 2003

BELLINI, Clitofonte – Ragioneria Generale, edição Hoepli, Milão, 1918

CAÑIBANO, Leandro , AYUSO , Manuel Garcia e SÁNCHEZ, M. Paloma – La relevância de los intangibles para la valoración y la gestón de empresas : revisión de la literatura , em Revista Española de Financiación y Contabilidad, número 100, extraordinário, edição AECA, Madri, 1999
COLLETTI, Nicola - Contributo alla determinazione del valore di quote patrimoniali di aziende avviate , edição Abbaco, Roma, 1964

D´AURIA , Francisco – Variação do valor efetivo do capital , edição Atlas, São Paulo, 1953

D’IPPOLITO, Teodoro - L’avviamento, edição Abacco, Palermo, 1963

DESCARTES, René – Discurso do Método, Meditações, Objeções e Respostas, Paixões da Alma, Cartas – Edição Victor Civita, coleção Os Pensadores, volume XV, São Paulo, 1973

DUNNE, Kathleen M. e ROLLINS, Theresa P. - Accounting for goodwill : A case analysis of the U.S. , U.K. and Japan, Readings and Notes of Finacial Accounting, editor Stephen Zeef e Bala G. Dharan, McGraw Hill, 4A. edição, Nova York, 1994

EINSTEIN, Alberto e INFELD, Leopold – A evolução da Física, 4ª edição Zahar, Rio de Janeiro, 1980

ESPINOSA, Baruch - Obras Diversas. Coleção Os Pensadores, Editora Abril Cultural, São Paulo, 1988

FERRERO, Giovanni - La valutazione economica del capitale d’impresa, edição Giuffré, Milão, 1966

MARITAIN, Jacques - A ordem dos conceitos, Lógica Menor - 13 a. edição Agir, Rio de Janeiro, 1995

MARITAIN, Jacques - A ordem dos conceitos, Lógica Menor - 13 a. edição Agir, Rio de Janeiro, 1995

SÁ, Antônio Lopes de – Fundo de Comércio, Avaliação de Capital e Ativo Intangível, Doutrina e Prática, edição Juruá, Curitiba, 2007

SARRIÓ, Didac Ramírez – Sobre La crisis actual del conocimiento coentífico, edição da Real Academia de Ciencias Económicas y Financieras, Barcelona, 2002

TOURINHO, José Basto - Fundo de Comércio, editora Pongetti, Rio de janeiro, 1954

WECHSLER, Dana - Britain’s Goodwill games , em Readings and Notes on financial accounting, edição de Stephen A . Zeef e Bala G. Dharan, 4a. edição, McGraw Hill, Nova, 1994

WITTGENSTEIN, Ludwig – Investigações Filosóficas, editor Victor Civita, La. Edição, Coleção Os Pensadores, Volume XLVI, São Paulo1975

ZAPPA, Gino – AZZINI, Lino – CUDINI, Giuseppe – Ragioneria Generale, edição Giuffrè, Milão, 1949

ZIMMER, Patricia Jaqueline – Contabilidade Criativa: fraude e manipulação contábil, edição FACCAT, Taquara, 2005

terça-feira, 18 de novembro de 2008

NECESSIDADES EMPRESARIAIS E MERCADO DE TRABALHO EM CONTABILIDADE

Antônio Lopes de Sá


O sucesso empresarial depende de sincera informação sobre o movimento dos capitais e especialmente da interpretação deste para que possa gerar orientação para a prosperidade.

De inicio empiricamente e mais tarde cientificamente os contadores conseguiram abrir caminhos para sucesso de muitos empreendimentos; isso foi ensejado através do estudo do que sucedia com a riqueza ao ser movimentada.

A evolução do conhecimento humano em todos os ramos processou-se sempre através da indagação sobre as causas dos fatos, ou seja, do entendimento sobre a razão dos acontecimentos.

Dos primitivos registros contábeis comerciais, industriais, de serviços, há mais de 6.000 anos, foi emergindo o aperfeiçoamento e se desenvolveram processos e métodos que buscaram acompanhar a evolução da economia dos diversos povos.

O mercado de trabalho para tal fim é, pois, muito antigo; algumas entidades religiosas e políticas chegaram a empregar centenas de contabilistas.

Hoje, na era dos computadores, continua sendo imprescindível o registro, as apurações e demonstrações e se na forma tudo progrediu as necessidades, todavia, na essência, continuam sendo as mesmas, ou seja – a de saber como a transformação da riqueza administrada e tangida pelas circunstâncias diversas cumpre a sua finalidade.

O progresso foi acrescentando várias utilidades à escrita contábil, mas, sem dúvida, aquela para fins administrativos continua sendo a de maior importância.

Hoje, no Brasil possuímos cerca de 6 milhões de empresas e instituições que necessitam de serviços contábeis; tenha a empresa o tamanho que tiver não poderá jamais prescindir de boa organização contábil.

Não são poucas as que fracassam por falta de conhecimento sobre a realidade objetiva do patrimônio utilizado.

Do universo referido, todavia, infinitesimal é o número daquelas deveras grandes e controladas pelas autoridades públicas quanto ao que devem escriturar e evidenciar a terceiros; pouco mais de 1.000 empresas em um universo de cerca de 6.000.000 é registrado na Comissão de Valores Mobiliários devendo seguir contabilmente o que esta determina.

A referida comissão começa agora a impor normas ao feitio das ditas “internacionais”, produzidas por uma entidade particular, a IASB, sob o pretexto de “convergência”, por força da lei 11.638/07.

Vez por outra se fala em ampliar as normatizações a todas as empresas; resta então a pergunta: “para que” se as mesmas não ajudam a administrar porque se encontram em conflito com a ciência em muitos particulares e se contradizem a si mesmas?

Se as normas possuem relevantes falhas quanto à metodologia, não seguem conceitos científicos, não respeitam a lei em certos aspectos, logicamente não servem para fins de tomada de decisões administrativas; se as empresas não possuem ações em Bolsa, se terceiros quase sempre não se baseiam só em balanços para fazerem negócios, não há justificativa para seguir um padrão que tem sido objeto de contestações.

Que vantagem traria aos empreendimentos a adoção do procedimento normativo? Só ele daria condições ao profissional de desempenhar sua tarefa?

Tem-se interrogado sobre o que adiantaram as normas se elas não tiveram competência para denunciar a crise financeira pelas demonstrações contábeis nelas baseadas?

Se impostas à maioria empreendedora e se esta não seguir as ditas normas quem iria fiscalizar o não cumprimento? E para que? Quem puniria?

Volto a inquirir: “Que lesão” haveria aos empresários ou a terceiros a não adoção desse modelo informativo?

A título de “evolução”? Que progresso é esse que tanto se comprovou ineficiente diante do grande calote financeiro internacional que redundou em crise financeira?

Entender que a Contabilidade não existia antes das Normas e que essas são a cultura contábil que surge inovadora é mais que uma insensatez e prova cabal de desconhecimento da gloriosa história do conhecimento; só pode assim entender quem nunca estudou e se manteve atrasado em matéria de cultura contábil.

Coisas que hoje são referidas como “inovações normativas” eu já há trinta anos evidenciava em meus livros (como, para referir-me a um só exemplo, basta citar a questão da classificação dos Intangíveis).

O subjetivismo do denominado “Justo Valor”, a posição contraditória entre o preceito da essência sobre a forma no caso de arrendamento mercantil e intangível, a conceituação confusa, as alternativas que fogem ao “objetivismo” requerido pela ciência contábil, são exemplos eloqüentes da contestável qualidade técnica das referidas Normas da IASB (entidade particular cuja competência está sendo questionada na Comunidade Européia).

Em um mundo que reclama por mudanças de modelos, com a prevalência do empreendedorismo sobre a especulação, são graves ameaças a falta de metodologia normativa e a volatilidade que enseja a irresponsabilidade (que se comprovou na crise financeira atual).

Os que vivem a prática, necessitando orientar os empresários e atender ao fisco, não precisam das referidas normas para produzirem os bons serviços que sempre realizaram. Desejar apresentar a matéria normativa como se fosse uma “nova Contabilidade” é, pois, faltar à verdade; nada se inovou quanto à essência e muito até em vários aspectos se piorou em relação ao que na realidade os Contadores de há muito praticam.

domingo, 16 de novembro de 2008

Crise e raízes

Antônio Lopes de Sá

O prestigioso jornal francês “Le Monde” recentemente, em sua secção de Economia, trouxe um sofisticado fluxograma explicativo sobre a crise financeira, procurando ser didático.

Ocultou, todavia, partes importantes das raízes da especulação que movimentou o processo.

Ou ainda, mostrou efeitos evidentes sem entrar em pormenores a respeito de algumas causas.

Para um bom entendedor, entretanto, é possível perceber que os eventos se sustentaram de uma “engenharia especulativa” que sem dúvida resultou em prejuízo de muitos e lucros de alguns poucos.

O gráfico dinâmico mostrou que para aplicar altas disponibilidades os Bancos começaram a realizar muitos empréstimos lastreados exclusivamente no valor do imóvel.

Silenciou o fluxograma sobre a justificativa do programa econômico do governo Bush que “aparentemente” foi a de estimular o mercado imobiliário com o intuito de controlar os efeitos psíquicos relativos aos alegados ataques terroristas de 11 de Setembro, sem a cautela necessária de um controle sobre o movimento especulativo.

O esquema instalou-se na base de juros baixos, altos riscos, ensejando créditos imobiliários dependentes de “valores de mercado” dos imóveis, inclusive amparados por direitos de revenda, projetando miragens de “resultados futuros” para as instituições de crédito.

Fermentou a massa financeira uma frenética dança de “ativos” que se repassavam e se tornavam “ativos de ativos” (denominados derivativos), tudo amparado por uma vasta publicidade bem alimentada.

Quando os Estados Unidos começou a elevar de novo os juros (e a instituição responsável é controlada pelos próprios Bancos), o problema se agravou (e isto o gráfico do “Le Monde” não destaca claramente); ônus mais altos, insolvências, ensejaram queda dos preços dos imóveis, enfraquecendo as “garantias” dos empréstimos e de seus pertinentes “derivativos” (contratos relativos a preços de bens do ativo, negociados em bases de expectativas de resultados futuros, a termo, de opções, ou seja, os referidos “ativos de ativos”).

Como sobre mútuos imobiliários (ativos) outros se contrataram e transacionaram-se entre estabelecimentos (repito: fazendo ativo fundamentado no de outro ativo), iniciou-se todo um processo de créditos vazios (e isso o fluxograma também não detalha).

O fato assemelhou-se ao velho truque das “correntes”, aplicado em incautos.

O curso macabro financeiro dos “derivativos” (ativos virtuais), todavia, precisava fechar-se, exigindo, ao estourar a bolha, a interferência do Estado (no qual se buscou, sobre os ombros dos contribuintes, aliviarem os atos da marcha da especulação e omissão defluente de um processo financeiro macabro); tal o evento que hoje justifica o posicionamento de nações diversas, em estudos, pronunciamentos e reuniões de cúpulas.

A atual crise, pois, teve raízes; a maturação da mesma se deu em vários anos, de forma cruel.

Resumindo: abriram-se as portas do crédito, fragilizaram-se as garantias, manipularam-se juros, criaram-se situações patrimoniais fantasiosas baseadas em “miragens de lucros” e tudo se ocultou até a maturação, enquanto a especulação marcava o seu compasso.

Completando o circuito, sob o manto da compulsoriedade, evoluído e concluído o processo, surgiu a frenética consagração de um denominado “Justo Valor”, através de normas contábeis com o rótulo de “internacionais” como um depurativo virtual.

As ditas normas contábeis ditas internacionais passaram compulsoriamente a exigir a utilização do denominado “Justo Valor”, ou seja, a apelar para “a mesma ferramenta que alimentou a raiz da crise” – o “valor de mercado” ou da “suposta realização”...

Reiniciou-se a dança dos números, perdas se transformaram em lucros, com a complacência dos controles governamentais e até atuação dos poderes públicos (como ocorreu com o Banco Central no Brasil, a instituição financeira Deutsche Bank etc. etc.).

Não são, pois, necessários tantos neurônios, dos milhões que dispomos, para refletir sobre o que na Comunidade Européia se tem difundido em matéria de perguntas: 1 - onde estavam os auditores que não acusaram os riscos? 2 - Por que não se evidenciou a realidade? 3 - Por que não funcionaram as normas se já existiam? 4 - Que confiança merece tais normas e tais auditorias nelas inspiradas? Por que não ensejaram advertências necessárias? Quanto se investiu para mentir e quanto se investiu para encobrir mentiras?

Fato evidente no demonstrativo do “Le Monde” é que uma crise de confiança aliou-se àquela financeira; isso bem autoriza, também, reflexão sobre as razões do abandono da realidade objetiva (requerida pela ciência) desprezada em muitos conceitos e textos nas ditas Normas Internacionais de Contabilidade, essas que se manifestaram incompetentes para conter o curso macabro do movimento especulativo financeiro.

Isso tudo bem justifica refletir sobre o dito “Justo Valor” e que papel representa na crise que hoje tão ostensivamente se espelha em todo o mundo, tão como sobre as ditas Normas Internacionais de Contabilidade que o consagra.

sábado, 15 de novembro de 2008

IMPORTÂNCIA DAS NORMAS DITAS INTERNACIONAIS FACE AO MERCADO DE TRABALHO EM CONTABILIDADE

Antônio Lopes de Sá

Em um universo de aproximadamente 6 milhões de empresas e instituições formalizadas existentes no Brasil, se considerados os cadastros divulgados pelo SERASA é possível inferir que mais de 80% das referidas é de pequena dimensão.

Quantas adotarão as Normas Internacionais de Contabilidade e para que?

A não ser a minoria registrada na CVM, deveras insignificante face ao universo do mercado de trabalho em Contabilidade, que empresas estariam obrigadas à submissão cultural que a Lei 11.638/07 determina?

Que vantagem traria à quase totalidade dos empreendimentos a adoção do procedimento normativo se este não segue totalmente à legislação, subverte conceitos e enseja a falsidade informativa?

Se essa maior parte significativa do mercado empreendedor não seguir as ditas normas quem fiscalizaria? Quem puniria?

Que lesão haveria aos empresários ou a terceiros a não adoção desse modelo informativo?

Tais perguntas são deveras significativas para que a quase totalidade dos profissionais do País minimize preocupações face à vasta propaganda que se está a fazer sobre os milagres da adoção do modelo dito internacional, este que não terá sentido prático de impacto sobre a realidade da vida da maioria dos empreendimentos.

A título de “modernidade”? Que modernidade é essa, todavia, se ela é exatamente a que se está a comprovar falha (nas crises sucessivas) e necessitada de mudanças segundo os pensadores mais credenciados de nosso século como Lyotard?

Não se justificará, também, priorizar no ensino uma questão que não tem relevância no mercado de trabalho do profissional nem é recomendável em perícias, análises financeiras, de custos e aplicações administrativas da quase totalidade das empresas; porque perverter conceitos que se formaram em bases científicas através de intelectualidades consagradas?

Em sã consciência ética um professor deve ensinar tendo por base a realidade objetiva e essa é a da ciência, inspirada na verdade.

Assim, por exemplo, instruir o aluno afirmando que um arrendamento mercantil é imobilizado, tal como preceituam as normas, é induzir ao erro, contrariando a verdade; é violentar a lógica apoiando-se em sofisma.

Induzir, através do ensino, ao “subjetivismo” face ao dito “valor justo” é mal formar a consciência do discente, é moldar mentes para a “volatilidade”, esta contrária a sinceridade que deve ter o demonstrativo contábil, compromentendo as possibilidades de análises eficientes.

Em um mundo que reclama por mudanças de modelos, com a prevalência do empreendedorismo sobre a especulação, a metodologia de ensino deve adaptar-se a tal diretriz, pois, a do atual padrão evidenciou-se contra o democrático e o humano e redundou em séria crise.

Quer na prática, quer no ensino, portanto, tal como se encontram as Normas estas só interessarão a minoria que pretende prosseguir no ineficaz arquétipo que já se evidenciou fracassado, como assim têm acusado desde há muito inclusive vários intelectuais, estes amplamente referidos em artigos que se encontram em minha página www.lopesdesa.com.br e em muitas outras, assim como em revistas e jornais.

A mega importância que se deseja atribuir, sob pretextos que até agora não se justificaram como válidos, não tem sentido, a não ser para os que se privilegiam do evento e que igualmente pertencem à mesma minoria.

Desejar apresentar a matéria como se fosse uma “nova Contabilidade” é outra questão polêmica; basta uma simples pesquisa bibliográfica para constatar que se trata apenas de apresentar sob diferente embalagem o mesmo produto, porém, piorado.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

SUBJETIVIDADE E CRISE FINANCEIRA

Antônio Lopes de Sá

A tão preocupante crise financeira que já levou até agora cerca de 20 instituições dos Estados Unidos ao fechamento de atividades (falência) de há muito permitiu previsão e esta foi realmente feita por especialistas.

Embora só neste período final de 2008 chegasse finalmente ao ápice um curso macabro que já não permitia ocultação, ainda parece presente uma dança de números segundo o noticiário internacional.

Não se percebe ainda medida objetiva que possa estancar a fonte dos males, pois, a preocupação atual está apenas em apagar o incêndio, sem pensar como se evitará com segurança que outro no futuro venha a ocorrer com o inflamável que permanece sob as cinzas.

Alguns Bancos estão transformando expressivas perdas em grandes lucros ao sabor de novas normas, segundo a imprensa tem noticiado.

A desordem financeira com reflexos daninhos na economia, entretanto, resulta de fatos que foram antecipadamente detectados e difundidos; o problema que atinge a muitas nações, a previsão de estagnação ou de baixo crescimento em 2009, resulta de fatos advertidos há mais de dez anos.

O jornal italiano “Corriere della Sera”, há dias noticiou o “desastre” em relação ao seu País, o “Le Monde”, face à situação na França, o Diário de Noticias, acerca da de Portugal (onde há dias se fechou um importante Banco o BNP), em suma em todas as partes as manchetes parecem padronizadas.

Nada, entretanto, que não tivesse sido absolutamente previsível por quem tem cultura, competência para analisar e sinceridade para advertir sobre o que sucederia.

Basta lembrar Lyotard, um dos mais representativos filósofos modernos franceses, que escreveu importante obra já em seus últimos anos de vida, em 1979 (em seu livro A Condição Pós-Moderna), vertida para o inglês e espanhol, apontando o que entendia como verdadeiro ponto débil da questão e a falsidade da informação.

Também, há cerca de cinco anos, ao ser admitido na Real Academia de Ciências Econômicas e Financeiras, da Espanha, o emérito catedrático de Economia Financeira e Contabilidade da Universidade de Barcelona, Dr. Didac Ramírez Sarrió, confirmou a tese de Lyotard (matéria que foi editada por aquela importante entidade de cultura que tenho a honra de pertencer).

Desde os fins da década de 70 vinham advertindo sobre todas as manobras empreendidas, Abrahan Briloff, da Universidade de New York e a “Comissão Parlamentar de Inquérito”, cujo relatório em 1760 páginas foi publicado pela Imprensa Oficial do Senado dos Estados Unidos, liderada pelo senador Lee Metcalfe (Establishment Accounting).

Nada de surpresa, entretanto, para quem acompanha a questão com responsabilidade, ética e inteligência.
Inclusive quando se votou nos Estados Unidos uma lei especial para “conter o ensejo de fraude”, a singelamente denominada SOX, por mim foi advertido em artigos que se estava a combater “efeitos” e não a verdadeira “causa” da questão.

Seguindo aos que de forma honesta enfocaram a matéria, o estudo de Sarrió também denunciou a fonte que Lyotard evidenciou, ou seja, o “culto ao subjetivismo” que anulou o “objetivismo”, este que deve imperar nas ciências, especialmente nas humanas.
A falsa informação sobre a situação das empresas continuou a existir.

Tivesse havido “objetividade” em demonstrar a situação das empresas, em vez da “subjetividade” ensejada pelas ditas Normas de Contabilidade e não ocorreria o mascaramento derivado da aludida “engenharia financeira”.

O abandono da ciência, a troca da realidade objetiva pela conveniência de grupos de especulação, resultou em um modelo que se sustentou a custa de inversão de muitos milhões de dólares para que tivesse aparência de qualidade; isso, na essência, o que fundamentalmente denunciou na Espanha Ramirez Sarrió (em trabalho editado sob o título “Sobre la crisis actual del conocimiento cientifico” - Barcelona 2002) apoiado nos estudos do eminente pensador moderno Lyotard; assim, também, alertaram nos Estados Unidos Briloff e Zeff, como advertiram em Portugal os eméritos professores Rogério Fernandes Ferreira, Domingos Cravo e Hernani Carqueja, eu e o ilustre mestre Koliver no Brasil em muitos artigos, há décadas.

Nossas advertências foram sufocadas por uma intensa e organizada estrutura interessada em defender o subjetivismo, mas, sem competência para evitar a crise que acaba de uma vez mais explodir (e que é mais uma em uma série de várias já sucedidas, mas, sem dúvida uma das maiores).

Não se pode culpar a Contabilidade por tudo isso e nem o fizemos, jamais; evidenciamos, sim, o que em nome dela, com ares de suposta superioridade e força de suporte de milhões de dólares, se apresentou sob o argumento de uma “convergência”, estruturado em complexa entidade particular emissora de normas.

A CTOC, liderada por António Domingues Azevedo, instituição oficial dos contadores de Portugal, acusou de incompetente a entidade produtora das Normas, o IASB, pela adoção e imposição de bases subjetivas, realizando dessa forma advertência responsável e ética; no IX Congresso Internacional de Contabilidade do Mundo Latino, neste 2008, igualmente as advertências voltaram a ser feitas.

Tais previsões e avisos, na prática, entretanto, ainda não surtiram os efeitos necessários; o que estamos a observar como crise e que tem, além de outros motivos, raiz nas informações que ensejam a “subjetividade”, continua abrindo portas às maquinações.

INFORMATIVO 68/2008

Não deixe de ler o mais novo Informativo da corrente neopatrimonialista.

INFORMATIVO 68/2008

terça-feira, 4 de novembro de 2008

DIFERENÇAS RELEVANTES NA CONTABILIDADE DE PORTUGAL E BRASIL

Antônio Lopes de Sá



Portugal e Brasil não possuem a mesma posição face aos assuntos práticos profissionais de Contabilidade, nem do aspecto legal, nem técnicos, nem educacionais, nem de posicionamento classista.


Não são necessários muitos neurônios para ao ler o mais recente número da entidade oficial da classe contábil portuguesa, a Revista dos Técnicos Oficiais de Contas TOC, número 103 de Outubro último, para perceber que a linha adotada difere da nossa no Brasil.


Basta, também, uma ligeira leitura da alentada obra recentemente editada sobre a História da Contabilidade em Portugal, de autoria do emérito professor Joaquim Fernando Cunha Guimarães, da Universidade do Minho, hoje um dos mais ilustres intelectuais lusitanos, para obter referências amplas de que não estamos em igualdade de condições.


Acompanho há décadas a evolução do assunto, ajudei a organizar as entidades que oficializaram nossa profissão em Portugal, participo dos principais eventos atuais e freqüentei os Congressos Nacionais como conferencista; de tal forma estou integrado á cultura portuguesa de Contabilidade e lá ocupo a Presidência Honorária de órgão de cultura especializada.


Creio estar, portanto, habilitado a opinar sobre as sensíveis e relevantes diferenças, mas, basta evocar duas de altíssima importância: 1) - Portugal adota de há muito um Plano Oficial de Contas, coisa que o Brasil não possui e 2) - está em divergência quanto à competência do IASB para emitir normas que se dizem internacionais; tal controvérsia existe através não só da alta intelectualidade (basta citar como exemplo os professores universitários e doutores Rogério Fernandes Ferreira, Hernani Carqueja e Domingos Cravo), mas, oficialmente através da entidade máxima oficial dos Contadores (o CTOC).Tão importantes são os fatos referidos que quaisquer outros diante desses se tornaria inócuo; isso, naturalmente, para quem tem cultura contábil, acompanha os movimentos de classe e possui militância profissional.


Em conferência que realizei em Portugal no mês de outubro passado precedeu-me em pronunciamento o emérito Presidente do CTOC o professor António Domingues Azevedo; este ilustre e muito responsável líder foi claro e positivo em afirmar perante a numerosa platéia suas dúvidas quanto à competência da entidade privada que se intitula normatizador internacional, o IASB; confirmou o que já escrevera de forma hialina na Revista do órgão principal da classe, tão como o protesto oficial da entidade, em nome da classe contábil, feito ás autoridades públicas portuguesas.


Portanto, quem protesta publica e oficialmente sobre matéria que no Brasil é aceita de forma submissa culturalmente, quem adota um Plano Oficial de Contas para uso geral nas empresas quando aqui só se possuem casos isolados e uma geral classificação de grupos de contas em lei, cheia de defeitos, não está no mesmo campo; portanto, não existe uma mesma filosofia, uma mesma atitude, uma mesma prática, um mesmo ambiente profissional, não podendo, jamais, ser comparado em termos de igualdade.


Dever de quem conhece conceitos é entender que grupos de demonstrações contábeis e Plano Oficial de Contas são coisas diferentes; opinar sobre a questão de Contabilidade comparada não permite, portanto, confundir tais coisas; falacioso é, também, ocultar a diferença substancial que existe quanto à relevância, esta que é essencial termo de consideração.É falacioso admitir que estejam Portugal e Brasil nas mesmas condições no campo profissional contábil.


Inclusive naquele educacional da especialidade estamos em posições diferentes e inferiores; enquanto Portugal adota o inteligente “Processo de Bolonha”, de ensino seqüencial (o aluno entra universitário e sai doutor na mesma Faculdade) aqui ainda estamos a nos emaranhar em um processo inadequado e centralizador de mestrados e doutorados alheio à necessidade nacional.As diferenças são, portanto, relevantes, quer na prática profissional, quer no ensino, quer no posicionamento das entidades de classe, quer na organização de exercício.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

CRISE FINANCEIRA E REALIDADE CONTÁBIL

Antônio Lopes de Sá

A falta de cultura contábil provoca distorcidas visões sobre o que representam as informações veiculadas para efeito de apresentação de situações das empresas.

Pouco adianta lei e controle governamental exigirem “fidelidade” nos balanços se isso se estriba em conceitos vazios, se as Normas de Contabilidade se colocam acima de tudo.

De nada adiantam acordos e controles governamentais quando eles mesmos consagram o que é contra eles (é paradoxal legislar para impor o que não segue a lei, como vem ocorrendo).

A culpa da crise atual não se pode debitar apenas a debilidade dos gestores, nem de governos, como bem se infere do artigo “Mercados financeiros: os efeitos perversos da transparência”, editado no Le Monde, da França, em 30 de setembro de 2008, de autoria do Diretor do Instituto de Gestão Empresarial de Lyon, Pierre-Yves (para referir-se apenas a um de muitos artigos que se têm editado mundo afora).

Todo um complexo cooperou para que o mundo viesse a pagar caro pela irresponsabilidade do processo, inequivocamente apoiado pela má qualidade das normas contábeis elaboradas para ensejarem a subjetividade nos balanços.

Culpa não é da Contabilidade, mas, sim, do que se apresenta como sendo genuinamente contábil dentro de um critério de inversão lógica.

O que hoje clama a Comunidade Européia, exigindo mudanças radicais, através das declarações das maiores autoridades públicas e de grandes intelectuais da Contabilidade, tem toda a razão de ser.

Quem tem cultura contábil de qualidade superior, quem tem experiência por longa prática profissional, quem acompanhou o curso normativo a partir da década de 60, reconhece sem dificuldade o que representa o amontoado de erros contidos no que se elaborou sob o rótulo de “Normas Contábeis”.

A dita “Engenharia Financeira” contou inequivocamente com o apoio de uma “Contabilidade Criativa” como pejorativamente a denominou o Congresso dos Estados Unidos em relatório de comissão parlamentar de inquérito, denunciado há 30 anos passados.

A culpa deve-se a um conjunto de fatores e prova a falência do sistema norte americano no campo da Economia, Administração e Contabilidade.Nunca adiantará apenas responsabilizar fraudadores se a porta da fraude continua aberta.

O que o dito COSO, a Lei Sarbane-Oxley criaram foi apenas o combate a um “efeito”, sem erradicar a “causa” e que é exatamente a que enseja a “volatilidade” dos informes contábeis, ou seja, um deficiente sistema de Normas; as portas foram fechadas, mas, não se colocaram os trincos.

Muitos exemplos poderiam ser dados, mas, não são necessários muitos neurônios para saber que um arrendamento mercantil não é imobilizado, que valor de mercado é medida débil para espelhar a realidade objetiva das situações, que despesas não são perdas, que ativo não é recurso, que econômico não é contábil etc. etc.

Demonstrações contábeis quando se editam já não mais representam as realidades objetivas sendo, pois, falácia adotar-se medida dinâmica e aleatória (valor de mercado) para uma demonstração de estática (valor de Balanço).

O que a “Teoria do Valor” em Contabilidade consagra é o reconhecimento da relatividade do instrumento de mensuração, ou seja, a moeda, esta que também se sujeita a ser medida.
Isso requer “prudência” e para tanto se reconhece que não se deve tomar como parâmetro algo extremamente mutável.

Se as Normas estão indiferentes ao que a doutrina científica da Contabilidade enuncia e consagram e impõem as várias mazelas aqui referidas (que são apenas algumas), enquanto não forem fieis à ciência e se enquadrarem nas leis elas ensejarão as fraudes; as ditas Internacionais fixam, sim, ousadamente (basta ler as mesmas) que se as leis forem diferentes e os controles também, prevalecerão as Normas; isto está literalmente expresso.

Trata-se de um absolutismo que se coloca acima da realidade objetiva (que é da essência da doutrina cientifica) e da vontade dos povos (posto que a lei, por natureza, as representa).

Logo, o que está além de tudo não tem compromisso com coisa alguma; assim ditaram-se as IRFS que são bases das ditas Normas Internacionais de Contabilidade, elaboradas por um pequeno grupo de uma entidade particular, o IASB.

Tão primário é entender isso que só o ignorar a matéria, negligenciar na pesquisa do que está a ocorrer ou desejar iludir a opinião de terceiros pode contrariar o preceito lógico referido.