quarta-feira, 28 de abril de 2010

PEQUENAS, MÉDIAS EMPRESAS E NORMAS DE CONTABILIDADE

Antônio Lopes de Sá

Tão intensas têm sido as difusões sobre as vantagens da aplicação nas pequenas e médias empresas das normas contábeis que possuem a denominação de “internacionais” que bem se justificam esclarecimentos.

Entendo que não existe vantagem em aplicar as aludidas normas nas empresas menores tal como se encontram redigidas e muito menos dever legal de fazê-lo.

Por força de lei os empresários e os profissionais não estão obrigados a seguir as nominadas normas internacionais (IFRS) nas pequenas e médias empresas.

Até que exista expressa revogação do estabelecido pelo que Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/02) no que tange à matéria contábil quem não seguir o legislado estará à margem da lei.

Inequívoca será a desobediência das pequenas e médias empresas ao mencionado Código, (especificamente em relação aos artigos 1.179 e seguintes sobre a escrituração) se adotarem o modelo das IFRS, pois, este se conflita em muitos pontos com o exigível por lei.

Igualmente riscos de natureza tributária implicarão problemas que atingirão a um só tempo empresário e profissional da Contabilidade.

Na realidade poderão ter sérios problemas as empresas de menor dimensão que aplicarem os aludidos procedimentos denominados como “internacionais”, um a vez que os mesmos em questões básicas estão em sentido oposto ao que é legal.

As empresas pequenas e de médio porte devem seguir ao que determina o Código Civil Brasileiro, enquanto não for o mesmo expressamente modificado.

Ninguém pode obrigar o profissional da Contabilidade a seguir as IFRS a não ser a Lei.

No momento nenhuma punição pode ser imposta a um profissional que não seguir as IFRS nas pequenas e médias empresas por que só a lei isso poderá determinar.

Tem sido difundido com alguma insistência que há vantagem e maior “transparência” em se empregar as aludidas normas, mas, nenhum dos artigos e notas que li apresenta de forma técnica, clara e ostensiva em que consiste o benefício.

Para argumentar as razões de minha discordância de naturezas científicas, técnicas e éticas quanto à aplicação das mencionadas IFRS, sobre malefícios notórios que possam advir do emprego dos procedimentos alardeados como “vantajosos” está sendo lançado o livro de minha autoria NORMAS INTERNACIONAIS E FRAUDES EM CONTABILIDADE.

Deixar de evidenciar quais seriam as vantagens da mudança de critérios sem esclarecer positiva e concretamente por que existiria “obrigatoriedade” em aplicá-los, sem citar a lei que a isso compele, apregoar ser “nova Contabilidade” sem apresentar o que foi criado no campo científico, falece em qualidade intelectual e ética.

As normas denominadas como “internacionais”, tais como estão editadas, são infiéis à ciência da Contabilidade, transgridem algumas leis, se acham envolvidas em acendrado subjetivismo e apresentam sérios defeitos conceituais em face da realidade objetiva.

Consagra a referida IFRS o alternativo quando nos textos se encontram muitas expressões mal redigidas em vernáculo a respeito de “pode ser assim”, “mas pode deixar de ser assim”, “e também pode ser assim”, ou seja, adotando critério avesso ao científico.

Dentre os muitos casos polêmicos e de má qualidade técnica das IFRS (que em mais de 200 páginas discorro na obra que escrevi) está o relativo ao conceituado como “Valor Justo”, critério que agasalha o arbítrio e a manipulação, esta duramente criticada por expressivas inteligências do mundo contábil e econômico (que minha obra identifica).

A liberalidade ensejada por esse procedimento de avaliação, concedida pelo regime normativo mencionado é ilegal, tendo sido responsável por expressivo número de fraudes como relataram noticiários internacionais.

A pouca responsabilidade com a sinceridade dos demonstrativos contábeis apoiados em normas, tem provocado imagem amplamente negativa dos profissionais.

Isso inclusive tem colocando em dúvida até a necessidade efetiva de auditoria, considerando o quanto ocorreu de homologação de inverdades, como a imprensa vem denunciando de há muito, como acusa relato ácido sobre o rumoroso e grave caso da Lehman Brothers e muitos outros que estão referidos no livro que escrevi.

Em diversos aspectos, notadamente nos relativos à avaliação, classificação e conceituação as normatizações têm ensejado situações ilógicas, ilegais e graves escândalos.

Enganosa vem sendo também a difusão de que tais normas possuem consenso mundial.
Basta ler o editado amplamente na imprensa estrangeira para que se tenha absoluta convicção de que as IFRS não possuem no momento acolhimento integral nos maiores mercados internacionais de ações.

Evocar obrigatoriedade e vantagem das aludidas, alegando que todo o mundo está de acordo com as mesmas é informar enganosamente.

Discordo do que se tem difundido sobre a obrigatoriedade e vantagem em se adotar esse padrão importado de instituição particular sediada na Inglaterra (IASB).

As denominadas IFRS ensejam lesão à sinceridade, esta que é obrigatória em face do artigo 1.188 do Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/02), assim como várias disposições ostensivamente expressas na legislação nacional.

Admito, entretanto, que mesmo se um dia o profissional da Contabilidade for obrigado legalmente a aplicar as referidas IFRS, a ele restará pela frente o dever ético de alertar sobre as inverdades contidas no regime normativo e que possam vir a afetar informações pelas quais é responsável.

Se um dia houver uma lei que obrigue a seguir as aludidas normas deverá o profissional da Contabilidade, por lealdade, lisura no cumprimento da tarefa, quando ocorrer, informar que foi compelido a demonstrar dessa ou daquela forma em razão da imposição de IFRS, mas, que em seu modo de entender a realidade é diferente.

domingo, 4 de abril de 2010

ALISAMENTO DE RESULTADOS E NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE

Antônio Lopes de Sá
Sob a denominação “Alisamento de Resultados”, por cópia de terminologia estadunidense, adotou-se um conceito relativo ao fato de se “acomodar valores dos lucros ou perdas” para que evidenciados em demonstrações contábeis não causem expectativas desfavoráveis em relação ao comportamento de empresas.

Mesmo tendo sido o assunto objeto de literatura escassa e empírica conseguiu aplicação; todavia, a expressão em vernáculo não representa com fidelidade necessária o evento, tal como acontece em relação a tantas outras copiadas, frutos de simples traduções literais.

Procurou-se justificar sob a denominação referida uma estratégia de natureza administrativa em relação à demonstração de oscilação reditual no tempo, mas, apresentando uma “insincera evidência” em face da necessária fidelidade informativa requerida ética e contabilmente.

O denominado “alisamento de resultados” foi justificado como um critério de conveniência no sentido de regularização de apresentação de resultados não uniformes, irregulares no tempo, ou seja, uma adaptação visando a evitar a informação sobre disparidades chocantes em uma seqüência reditual.

O fato de entender como necessário evitar o risco em relação à imagem da empresa, causado por variações bruscas ou desiguais dos resultados é atribuído como razão da adoção da medida de “alisamento” (em nosso idioma termo deveras inadequado para expressar o fato).

Por mais que tenha sido justificada a medida ela na realidade é da natureza do que de forma pejorativa já na década de 70 o Senado dos Estados Unidos denominava como “Contabilidade Criativa”, ou seja, o falseamento de informações no sentido de mostrar algo que na realidade não sucedeu, resultante de medidas da gestão, espelhado em contas redituais.

Atualmente a fiel informação contábil, aquela exigível para espelhar a verdade, para servir de base à construção de modelos de ação administrativa, já não é mais a que se cumpre para fins ditos “legais” e normativos.

O Contador é dos poucos profissionais na atualidade aos qual se obriga a evidenciar como certo o que ele mesmo reconhece como errado.

Normas e leis têm discrepado várias vezes da “realidade objetiva” patrimonial.

Tais distorções, entretanto, se operam em todo o mundo e no Brasil com maior destaque ainda, tanto pelas deformações impostas por legislação fiscal e comercial (falhas contabilmente), quanto por deliberações normativas copiadas de um criticado modelo alienígena.

Dados oficiais, aqueles da escrita dita legal, não possuem mais o rigor exigível para que a empresa venha a negociar os seus ativos, faça uma associação com terceiros, ceda o controle de seu capital, informe para fins creditícios e administre a empresa.

Poucos empresários venderiam ou conseguiriam liquidar as suas empresas pelo que demonstram em suas escritas oficiais e poucos comprariam o controle ou se associariam sem verificar a realidade.

Ainda não se conseguiu alcançar uma forma que possibilite a imagem fiel da riqueza patrimonial e nem aquela dos resultados, através de normas expedidas por entidades, pois, nessas a política implica distorções da realidade segundo duramente pela imprensa se tem conhecimento.

Até que ponto possa existir mesmo um interesse de evidência fiel é difícil determinar, pois, forças financeiras atuam no sentido de deixar alternativas as maneiras de informar contabilmente, ou, pelo menos, bastante flexíveis (o que facilita acomodar demonstrações ao feitio dos controladores das empresas).

Tal permissibilidade favorece a “Contabilidade Criativa”, na qual se insere o “alisamento de resultados”.

De há muito especialistas no estudo da questão, dentre eles Gadea e Callao, criticaram os expedientes ditos “criativos”, mas, na atualidade, mediante os vultosos escândalos da crise de 2008, já se alinharam muitas outras expressivas intelectualidades (Krugman, De Castris, Lagarde, Carqueja, Ehrenberg, Fernandes Ferreira, Zappa Hoog, Koliver, Nepomuceno, Steven Thomas etc.).

Fraude existe no exercício de todas as profissões, mas, é deveras preocupante quando os procedimentos que ensejam tais coisas originam-se de normas protegidas em lei e resoluções egressas de entidades oficiais.

Considerada a importância social da Contabilidade só uma normatização harmoniosa e cientifica pode ser a desejável.

No presente momento, todavia, os esforços ainda não se traduziram em algo que pudesse assegurar a tranqüilidade desejável, embora apelos dramáticos se façam.

Recentemente Roger Ehrenberg, em nota sob o título It's Time To End FASB (And Shake Up The SEC), apresentou crítica sobre alguns pontos interessantes para discussão apelando para reformas de base.

Ao analisar o relatório sobre a quebra do Lehman o referido analista de mercados mobiliários e de altos investimentos destaca o papel político dos reguladores:

A SEC[1] é uma organização altamente politizada e o Financial Accounting Standards Board (FASB) é um tipo de organização auto-reguladora que é um fantoche da indústria.

Ehrenberg discorda do ambiente regulatório, sugerindo acidamente inclusive a proibição das transações fora de balanço e a do falseamento de dados sobre o arrendamento financeiro, censura esta que merece todo o respeito e consideração.

As normas entram na berlinda e os auditores que as cumprem cairam no mesmo círculo, segundo declaração ácida de Steven Thomas, famoso advogado dos Estados Unidos, da Thomas Alexander & Forrester, da Califórnia, em nota editada no Brasil atribuída a Rachel Sanderson, do Financial Times, de Londres em 16 de março de 2010.

Segundo o divulgado Thomas afirmou que as contínuas notícias estão minando a confiança na profissão contábil "e fazem questionar por que temos auditores". "Minha preocupação é que eles estejam se tornando irrelevantes", afirmou o referido advogado.

Deveras inquietantes tais ocorrências..
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[1] SEC é a sigla da CVM - Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos

CONTABILIDADES: LACUNA OU SILÊNCIO ELOQÜENTE?

Marcelo Henrique da Silva
Abril/2010

Diz o filósofo Donaldo Schüler que o espanto desarticula, rompe totalidades. Toda ruptura é dolorosa. Operada a ruptura, estamos diante de realidades complexas. O discurso não nos põe no começo. Todo discurso pressupõe discursos, confronta-se com outros discursos e produz discursos novos. Um discurso que compreendesse todas as articulações seria o Logos heraclitiano – indivisível. O discurso substitui a genealogia, rearticula. Comporta-se como o véu de Penélope: faz-se e se desfaz.

A inquietação da norma jurídica disciplinadora da contabilidade das empresas brasileiras, exceto das alcançadas pela Lei 6.404, abala tronos no céu e na terra. Reivindica-se o monopólio à lei das sociedades anônimas; causa única, indivisível.

Não se admite ruptura. Não é desejável que pessoas comuns (contadores), pensem por si mesmas, porque se presume que essas pessoas são difíceis de controlar e causam dificuldades aos normativistas, sábios. Só os guardiões, na linguagem de Platão, podem pensar; o resto deve obedecer, ou seguir líderes como um rebanho de carneiros.

O espanto rompe. A primeira fissura provocada pelo espanto separa o homem dos seus contornos. Homens que não lutam pela liberdade não estão maduros para viver livremente.

O nosso “sistema” atual converte às pessoas a capacidade de ler, repetir informações; mas esse mesmo “sistema” torna-as incapazes de avaliar uma evidência ou de formar uma opinião independente. Elas são, então, acometidas, ao longo de suas vidas profissionais e acreditar apenas nas proposições oficiais. A arte da propaganda; a propaganda oficial.

Deparamo-nos com aquilo que o filósofo Bertrand Russell considera como realidade paradoxal, onde a educação (contábil?) tornou-se um dos principais obstáculos à inteligência e à liberdade de pensamento.

Há um sério defeito, mas não apenas um, no pensamento monopolista daqueles que se desdobram em garantir repercussão jurídica da lei 6.404 a todas as empresas brasileiras: o código civil.

Diante do discurso oficial, afirma-se que há lacunas neste Código, o que estaria a impor, obrigatoriamente, a lei das sociedades anônimas a todas as empresas (sic).

Mas afinal, há lacunas no código civil, no que reflete o tema contábil? ou “silêncio eloqüente”?

Vale dizer, a lacuna não se confunde com a figura que o Supremo Tribunal Federal denominou de “silêncio eloqüente”, este consistente na situação em que não há omissão nem lacuna, mas o legislador não previu a hipótese porque não quis que fosse prevista, por não ser caso a ser previsto. Isto é o que o STF tem chamado de “silêncio eloqüente”.

Nas palavras do mestre Marco Aurélio Grecco, lacuna é a falta de previsão específica, e silencio eloqüente é a previsão através de uma não-previsão. Ou seja, o silêncio eloqüente “é uma não-previsão que corresponde a uma vontade que o caso não seja alcançado”.

Daí ser relevante perguntar se há lacuna ou silêncio eloqüente no código civil, no sistema contábil das empresas reguladas por este estatuto? E ainda: há apenas um único sentido (oficial) para uma não-previsão?

Apoiado no “culto à lacuna” busca-se demonstrar que a “timidez” dos pilares contábeis do código civil seria suficiente, por si só, para impulsionar a subsunção à lei 6.404.

Esta abordagem da lacuna está freqüentemente apegada à propaganda oficial; opinião normatizada, esquadrinhada. Crenças reconfortantes... Basta seguir a opinião oficial; não se faz necessário pensar, construir pensamentos. Como em Édipo Rei, de Sófocles: “poupa-me lições e conselhos”!... Siga.

A partir de outra visão, naquilo que Moncoure Conway devotou parte de sua vida: a liberdade de pensamento e individual, o silêncio do legislador pode ter outro significado, senão apenas aquele da lacuna, refiro-me ao silêncio eloqüente, que, para alguns doutrinadores chega a configurar como um verdadeiro “princípio”.

Se as normas que regulam a contabilidade no código civil não prevêem a tipicidade fechada in casu, mas sim todos os seus pilares, não se pode aplicar por analogia e parcialmente a lei 6.404, e não se pode admitir que houve lacuna legislativa, mas silêncio eloqüente do legislador que não quis aplicar à maioria das empresas com natureza limitada o regramento contábil das sociedades anônimas. E a prova da assertiva é que o, tardio, mas válido, art. 3º da lei 11.638 determina que se aplicam às sociedades de grande porte, ali tipificadas, as disposições da lei 6.404 sobre escrituração e demonstração contábeis, ainda que estas empresas não sejam constituídas como sociedades anônimas.

Socorro-me de Pablo Neruda, em seu Livro das Perguntas, para também perguntar: “Foi onde que a mim me perderam que logrei enfim me encontrar?”. Ou, de outra forma, por que no art. 3º da lei 11.638 haveria prescrição de aplicar a lei 6.404 às grandes empresas se, pela lacuna cultuada (sic), “todas” as empresas já estariam sob o julgo desta norma? Reaplicar o aplicável!?

O silêncio eloqüente não se preenche porque “existe norma” – lei 6.404. Este silêncio do legislador tem o significado de vontade de não querer prever a hipótese. Não é meramente o não prever, é uma não-previsão que corresponde a uma vontade. No caso, as empresas subsumidas ao código civil estão subordinadas ao regramento contábil ali prescrito; as sociedades anônimas, e as empresas de grande porte, agora, tem como suporte prescritivo a lei 6.404.

Entender o silêncio eloqüente é entender que os textos do direito não veiculam enunciados semânticos cristalizados, congelados no tempo. O direito é um nível de realidade social. Assim, como leciona Eros Grau, o significado válido dos textos é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente.

Como diz a poetisa Helena Kolody: sem aviso, o vento vira uma página da vida.

Uma página contábil...


Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.