quinta-feira, 25 de junho de 2009

INFORMATIVO 71/2009

INFORMATIVO 71/2009

Prezados amigos e colegas,

Agigantam-se os movimentos relativos à História da Contabilidade, esta da qual o Neopatrimonialismo faz parte como a primeira corrente científica contábil de língua portuguesa e que todos os membros da ACIN participam.

Portugal, Espanha e Itália, em junho e julho próximos estarão realizando eventos significativos e para todos eles estamos convocados.

A História, como conhecimento do passado, permite melhor avaliar o presente, neste bem se situando, assim como enseja condições para melhor construir o futuro.

Na História das Doutrinas o Neopatrimonialismo se apresenta como uma nova visão e nos orgulhamos poder estar oferecendo meios para maior dignificação de nossa disciplina.

Minha página ultrapassou a 3.000.000 de acessos, evidenciando a intensa difusão que o Neopatrimonialismo Contábil tem conseguido e isso muito orgulha e enobrece nossa corrente de estudos.

Em Novembro próximo, na cidade de Uberlândia, teremos o X PROLATINO - Congresso Internacional de Contabilidade do Mundo Latino que receberá ilustres professores da Itália, Espanha e Portugal, como expositores em painéis.

Tal movimento, de índole neopatrimonialista contará ainda com eméritos colegas de nossa corrente de estudos.

Cordialmente,

Antônio Lopes de Sá

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Sob a organização do CTOC, com a liderança do ilustre professor e neopatrimonialista Joaquim Fernando da Cunha Guimarães, da neopatrimonialista Professora Doutora Leonor Fernandes Ferreira, realizou-se em Lisboa em 5 e 6 de Junho o II Encontro de História da Contabilidade. Informações podem ser obtidas sobre os efeitos podem ser obtidas com o ilustre prof. Guimarães jfcguimaraes@jmmsroc.pt.
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Sob o patrocínio da Universidade de Siena e da Sociedade Italiana de História da Contabilidade será realizado em 16 e 17 de julho o I Colóquio Internacional de Estudantes de História da Contabilidade. O evento ocorrerá na histórica “Certosa di Pontignano” (antigo mosteiro) em Siena. A convocação me foi feita pela ilustre professora Maria Bergamin.
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­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­Ocorreu no monumento histórico famoso da Espanha, “El Escorial”, em 19 de junho, um Encontro Internacional de História da Contabilidade em homenagem a Luca Pacioli. A data é coincidente com a do aniversário de falecimento do ilustre frei, ocorrido em 19 de junho de 1517. O patrocínio do evento foi da AECA, prestigiosa entidade presidida pelo ilustre Professor Leandro Cañibano, com a supervisão do famoso historiador Prof. Dr. Esteban Hernandez Esteve. A convocação nos chegou através do prof. Carlos Rico; maiores informações sobre o resultado do conclave poderão ser obtidas com o ilustre prof. Carlos em: carlosricob@hotmail.com O emérito professor Esteban estará em nosso X PROLATINO.
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­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­Um dos maiores difusores do Neopatrimonialismo, o professor Werno Herckert escreveu um artigo sob o titulo PATRIMÔNIO E AS APLICAÇÕES SOCIAIS que colocamos em nossa página www.lopesdesa.com.br na janela Neopatrimonialismo. Esse emérito professor continua sendo um dos maiores difusores de nossa doutrina, com muitos trabalhos editados no exterior.

domingo, 21 de junho de 2009

FUTURO DA PROFISSÃO CONTÁBIL E NOVOS CONTROLES SOBRE O MERCADO

Antônio Lopes de Sá

A imprensa comenta sobre a enérgica ação que o governo Obama deseja fazer no mercado de capitais.

Os efeitos perversos dos abusos praticados pela liberalidade concedida pelo próprio poder governamental, as omissões relevantes, parecem agora fazer despertar a consciência dos dirigentes públicos; um razoável passado de acumulados erros.

A edição do jornal “Le Figaro”, da França, do dia 18 de junho de 2009, estabelecendo um interessante resumo sobre as referidas providências do novo Presidente estadunidense dedica-se, entre outros pontos, a comentar sobre os famosos “derivativos” e a falta de controle sobre os papeis financeiros que resultou na cruel macro crise.

Fantasiosos valores apresentados como lucros, patrimônio falso, situações virtuais demonstradas como se reais fossem, produziram um nefasto acontecimento de alcance mundial; as notícias veiculadas, todavia, não enfocam diretamente o “calcanhar de Aquiles” dessa relevante questão, curiosamente.

Sem um controle responsável da informação contábil será inviável impedir novas crises, mas, isso requer intervenção no sistema normativo pertinente.

A flexibilidade existente no regime de avaliação, a quantidade de alternativas de procedimentos, a complexidade burocrática de “formas”, sem base científica, ao arrepio das leis, cria um complexo daninho, lesivo à qualidade informativa sobre as situações patrimoniais e lucrativas das empresas.

Pior, ainda, tem alimentado indecisões, insegurança e insatisfação em meio da classe contábil, segundo vasta indagação que tenho feito e cujas respostas muito preocupam.

Muito longe de ser um progresso profissional o processo que está sendo adotado, com imagens referidas como as de “industrialização da Contabilidade” (como ato de negociar normas), se mantidas, ensejarão problemas futuros.

No exterior tal sensibilidade está expressa em artigos e pronunciamentos públicos, focados por grandes autoridades como o professor Rogério Fernandes Ferreira, este condecorado com a maior ordem cultural há dias pelo governo de Portugal, por mãos do Presidente Cavaco Silva.

Nesse particular, portanto, está ocorrendo algo paradoxal e singular; enquanto no Brasil tudo se apresenta como pacífico e se editam apressadamente normas, nos próprios locais aonde as referidas são expedidas (FASB, nos Estados Unidos e IASB, na Inglaterra) existem questionamentos, segundo o noticiário especializado (como, por exemplo, o editado por CFO.com, dos Estados Unidos, de Alix Stuart de 17 de junho de 2009, sob o título “Will the new FASB Code change Accounting?); a nota informa que mesmo passadas já semanas das novas codificações elas permanecem desconhecidas, ampliando dúvidas que ainda persistem.

Muitas são as publicações que lançam interrogações; várias continuam sendo as discordâncias apesar de toda influência na mídia, nas entidades, para que se evitem confrontos, cerceando o tanto quanto possível a difusão de contraditórios; o diálogo não parece ser a metodologia dos normatizadores; o que se diz haver consenso não se sabe que percentual de acordo representa em face da totalidade dos intelectuais da Contabilidade.

Cheguei a ouvir até um comentário hilariante, mas, depreciativo a respeito, sobre o temor que os vampiros possuem da luz (fazendo metáfora sobre os agentes dos especuladores e os críticos).

Há uma inequívoca manifestação de interesse por novos controles, mas, grupos de influência parecem continuar agindo pesadamente para evitar as mudanças no regime falho que sustentou a macro crise, e, até investindo para implantar reformas no ensino de modo a influir sobre os futuros contadores.

Enquanto a notícia veiculada no “Le Figaro” informa (como outros periódicos também) que o presidente dos Estados Unidos deseja aumentar o poder do Banco Central, outros reagem e se insurgem contra tais controles; ao mesmo tempo em que se acusam as normas como responsáveis por acobertar informações falsas, uma mídia insistente age em sentido contrário.

Que para sanear é preciso obstaculizar a especulação, esta que aplicou um calote de trilhões no mundo não há dúvida, mas, também, em tudo o que contribuiu para isso, como foram as falsas informações contábeis baseadas em normas; a questão está, todavia, em conseguir colocar um freio na disparada especulativa que não cessa e que deixou brasas acesas sob as cinzas do macro cataclismo que produziu ciclópicos desastres financeiros de trilhões de dólares.

O futuro da profissão contábil muito depende do posicionamento educacional, não apenas científico, mas, especialmente ético; nisso se incluí a política das empresas de serviços e instituições da classe e incisivamente o papel dos líderes culturais; entendo como aético adotar, emitir e veicular opiniões que estejam alheias a realidade, esta que fez da falsa informação contábil um anteparo para uma situação de desequilíbrio financeiro mundial.


Aqueles que possuindo títulos e experiência, que ganharam certa posição social e profissional, possuem obrigação com o social e a verdade, esta, que não precisa de maiores argumentos para evidenciá-la senão o que estamos a comprovar pelos efeitos perversos de um macro problema derivado de crise vultosa e vultuosa.

sábado, 13 de junho de 2009

A PROBLEMÁTICA NORMATIZAÇÃO CONTÁBIL

Antônio Lopes de Sá


Enquanto no Brasil algumas publicações propagam haver “unanimidade internacional” sobre uma “nova Contabilidade”, como algo “convergente”, relativamente aos procedimentos egressos da entidade privada sediada na Inglaterra - IASB - International Accounting Standard Board, “contraditórios” ocorrem na Europa e nos Estados Unidos; sérias objeções estão sendo feitas; há indícios, inclusive, de que começa a ser significativamente atingido o comportamento do comitê referido, segundo notícias difundidas, inclusive na Internet.

Destaca o noticiário o descrédito em que caiu o IASB após as concessões feitas aos Bancos, decorrentes de “acomodação normativa”.

Acusa-se, ainda, publicamente, pela mídia eletrônica a interferência de comando que na entidade normatizadora IASB estaria ocorrendo indiretamente por uma importante empresa de auditoria a KPMG, segundo o “The Observer” (http://www.guardian.co.uk/) de 07 de junho corrente, em artigo de responsabilidade de Nick Mathiason intitulado “Comitê de Contabilidade poderia perder poder de emitir procedimentos” (Accounting board could lose power to set rules).

Todavia, denúncia de influência interventora de comando há mais de três décadas já havia sido feita; similares imputações de interferência das grandes empresas de auditoria na produção de normas, inclusive conseguindo das comissões de valores mobiliários amplos acolhimentos, foram expressamente manifestadas em publicação do Senado dos Estados Unidos em março de 1977 (editada pela imprensa oficial daquele País, número de identificação 052-071-00514-5, sob o título “The Accounting Establishment”, página V).

Não é difícil inferir-se, pois, que a história estaria apenas a confirmar a tradicional estratégia de influências e o uso do recurso contábil faccioso para beneficiar grupos econômicos através de maquiagem de informações.

O professor Nepomuceno descreve como o processo ardiloso se estruturou e em que consiste, destacando uma tríplice aliança para os fins de maquinação dos balanços apoiada em normas, ou seja, a formada por um conluio entre especuladores financeiros, auditores transnacionais e entidades de classe contábil e de controle (Valério Nepomuceno, Teoria da Contabilidade, edição JURUÁ).

O artigo estampado no “The Observer”, do Reino Unido, portanto, por paradoxal que pareça, é um retrato contemporâneo de um já remoto cenário, histórico, porém, atualmente, em um momento de crise mundial que atingiu o mundo todo, inclusive o Brasil e toda a América Latina, fazendo recuar o PIB a níveis preocupantes.

Avoluma-se, nessa atmosfera de turbulências, a insatisfação com o comportamento adotado pela entidade emissora das normas, afirma o artigo de Mathiason, especialmente quanto ao que concerne a “avaliação” (ponto chave na manipulação de lucros e perdas e do patrimônio em geral).

O que, pois, tem sido oficialmente justificado como “convergência” em realidade não se encontra tão pacificamente aceito; as ocorrências do passado, também, expressivamente, sustentam a crítica recente publicada na Inglaterra.

Entrementes, em nosso País as “normas” proliferam editadas por órgãos oficiais nacionais, mas, praticamente “traduzidas” daquelas emitidas pela entidade privada IASB (sediada na Inglaterra), possuindo valor prático e didático deveras contestável segundo opinião de muitos intelectuais (alguns referidos neste artigo).

Assim, por exemplo, a aqui aprovada norma internacional de número IAS 39, sem contestações, é a mesma que está sendo o estopim nos abalos do conceito da entidade privada normatizadora IASB, segundo Mathiason.

Ácidas expressões, as admito assim, têm também sido empregadas em matérias divulgadas em jornais nacionais e internacionais, com relevantes acusações, destacando como ineficiente o regime normativo; ainda há dias uma das referidas valeu-se da denominação que poderia ser entendida como pejorativa de “indústria da Contabilidade” (04/06/2009 em “Valor on Line”, no artigo intitulado “A vitória contábil dos Bancos Americanos”).

Não sei se o publicado poderia ser considerado injusto, mas, merece reflexões.

Até que ponto, em face do limite ético, “lato sensu”, seria tolerável a um Contador aceitar o conceito aludido em âmbito profissional? Para o advogado haveria uma “indústria do Direito”? Para um médico seria aceitável uma “indústria da Medicina”? Um dentista aceitaria sem restrições a conceituação profissional de “industrial da Odontologia”?

A imputação do termo, todavia, justificável seria no campo contábil se comprovada a tese de “negociação intelectual para vantagem financeira especulativa através de manipulação de informações”, aquela que o Senado dos Estados Unidos levantou ostensiva e expressamente em relatório que fez editar (já referido), essa que recentemente
produziu punições no caso das fraudes da ENRON e outras muitas.

A denominação do artigo do “The Observer” em 07 de junho, pois, parece ter o sentido que o “Valor on Line” em 04 do mesmo mês já estava adotando, ou seja, a do uso de recurso intelectual profissional para encobrir especulação financeira aética...

O “poder” referido no mencionado artigo de Mathiason está exatamente associado a liberalidade que a lei outorgou, ensejando o império das normas, estas que se situam hoje acima da própria lei e que industriadas abrem portas ao subjetivismo, este que agasalha fraudes e crises.

Reforça ainda o cenário o competente artigo do eminente professor Carlos Valle Larrea, da Universidade de Lima, editado na revista internacional LEGIS neste mesmo junho (páginas 133 a 151) clamando por mudanças nos critérios de quantificação de valores estabelecidos pelas denominadas “normas internacionais”, dando ênfase ao caráter de subjetividade de que se reveste e o ardil que ensejam.

O mesmo mal aludido foi denunciado em “Notas de Contabilidade” pelo emérito professor Rogério Fernandes Ferreira, mestre este mês condecorado pelo governo português pela sua importância intelectual no campo da gestão (com medalha de Ordem entregue pessoalmente pelo ilustre Presidente da República Professor Aníbal Cavaco Silva.

Também, iguais advertências já as faziam há décadas escritores e profissionais de valor como Briloff, Zeff, Koliver, Nepomuceno, Fanni, Carqueja, Cravo, Hendricksen, Turley, Taylor, Hermes, Domingues e outros...

Diante de tantas evidências, de provas inequívocas de trilhões de euros de prejuízos à sociedade, duro impacto na economia das nações, lesões à técnica e a ciência, vozes e letras passadas e presentes de tantas eminências intelectuais, será que ainda predominará o império das normas tal como se acha posto?

Se prevalecer o critério, sem restrições, não seria justo interrogar: 1) se tanto mal fizeram e fazem as informações deformadas ao feitio das normas, 2) se foram provocados milhões de desempregos, 3) se ocorreram trilhões em prejuízos, 4) se golpeada foi a maioria com a queda do PIB mundial de 3% (Jornal do Brasil de 11 de junho corrente), 5) se foi aberta a porta do subjetivismo irresponsável, 6) se a lei deixa de ser parâmetro - a que minoria serve tal procedimento contábil denominado internacional?

sexta-feira, 12 de junho de 2009

TESTEMUNHAS DE MIM MESMO, UM CONTADOR

Marcelo Henrique da Silva

Aprendi que estou errado, o que já um bom começo. Aprendi que o padrão contábil da Lei 11.638 é aplicável a todas as empresas brasileiras, grandes, pequenas, médias, micros, mínimas, nanicas, nanonanicas, todas, indistintamente. Aprendi num curso chapa-branca, mas não deixa de ser um curso. Tenho o certificado, posso provar que aprendi. Aprendi que esse padrão contábil é aplicado do Oiapoque ao Chuí. Da Petrobras ao postinho de gasolina ali na vila esperança; da Vale (do Rio Doce) a Pedreira do seu Zé; da Casas Bahia a Lojinha do Nagib, no Camelódromo. Aprendi que não adianta pensar diferente, pois assim estar-se-á errado, não pode. Aqueles que pensam ao contrário são irresponsáveis, não sabem o que falam, seus fundamentos são subfundamentos, de segundo nível, descartáveis, servem para risos e não merecem qualquer respeito. Uma contracultura. Aprendi, ainda bem! Esses subfundamentos não se sustentam aos saberes jusfilosóficos dos Diplomatas dos Saberes, este sim os senhores das explicações. Esses, os Diplomatas, representam, apresentam e explicam o pensamento correto, o único possível. Aprendi, ainda bem! Na verdade não entendi o motivo de estar obrigado a levar calculadora no curso, nem usei. Mas constava do programa "trazer calculadora simples". Sempre ouvi dizer que contabilidade não era ciência exata, mas ... peraí ... se mandaram levar tenho que levar, não posso questionar, pensar diferente. Poderia ser multado? Bem, se os patrocinadores dos Diplomatas mandaram, eu obedeço! Realmente, posso ser multado pelo fiscal-delegado se estiver sem calculadora. Seja como for, levei calculadora, mas não usei, ainda bem, pois pra mim matemática faz parte das ciências ocultas. Acho que ela, a calculadora, era um passaporte pra entrar da sala, pra fazer parte do grupo daqueles que sabem o que fazer, Doutores da Lei. Mas não entendo a calculadora num curso pra explicar leis. Entrei, e aprendi muita coisa, ainda bem! Acabou o curso. Sai aliviado e importante, aprendi que o norte da Lei 11.638 é a essência sobre a forma, e que não posso contabilizar leasing como contabilizava antes. Aprendi que tenho que imobilizar. Achei legal. Ouvi dizer que faz tempo que era pra fazer assim, que há uma resolução dizendo pra fazer assim. Agora, ouvi no curso, com a lei, sou obrigado a contabilizar o bem do leasing como ativo no patrimônio do arrendatário. Aprendi, ainda bem! Aprendi que prevalece a essência econômica sobre a forma jurídica. Nessa hora levantei o braço pra perguntar, os Diplomatas fizeram que não viram, ou viram que não fizeram, sei lá, acho que eles me acharam um ignorante, desprovido da possibilidade do saber, não apto a subir no altar deles, dos sábios, dos eruditos. Realmente, sou cheio de dúvidas, eles cheio de certezas. Aprendi isso, ainda bem! Mas não precisa perguntar mesmo, quem pergunta muito deve ter problemas na cabeça, já ouvi alguém dizendo isso. Fiquei quieto. Melhor pra mim. O negócio é não perder a linha de pensamento dos Diplomatas, preciso fazer contabilidade daquele jeito. Quando crescer quero ser Diplomata (eu acho), eles pensam os pensamentos certos, irrefutáveis! Seja como for sai do curso tinindo da silva, em ponto de bala. Na cabeça a novidade da essência sobre a forma, que é a essência do negócio; e a questão do registro contábil do leasing. Marquei uma reunião com um cliente pro dia seguinte, logo pela manhã. Esse cliente, um escritório de advocacia, acabara de contratar um leasing de um veículo. Havia visto nos documentos contábeis daquele mês. No mesmo mês do curso, que sorte minha! Na reunião disse ao cliente que a partir de agora iria contabilizar o leasing como um bem no patrimônio do escritório de advocacia. Meu cliente saltou da cadeira. Indignado refutou minha informação. Aleguei tratar-se de um registro pela essência, não pela forma, conforme me foi ensinado a fazer pelos Diplomatas. Outro salto. Afirmou que na essência o contrato de leasing é um contrato de leasing. Não haveria, segundo meu cliente, outra essência, senão aquela jurídica, caso contrário o próprio contrato do leasing seria considerado uma simulação. Expliquei que no curso os Diplomatas dos Saberes, especialistas em contabilidade, pós-especialista em direito, pós-pós-especialista em educação, pós-pós-pós-especialista em explicação, afirmaram que é assim que tenho que fazer, senão serei multado pelo fiscal-delegado. Achei que agora o cliente iria cair da cadeira, mas conseguiu se segurar, e afirmou que o direito regulamenta o contrato do leasing, a contabilidade apenas registra o patrimônio. O bem do leasing não faz parte do meu patrimônio, e isso é que o direito regula, disse ele. Lembrei que no curso houve um destaque pra esse tema, disseram, todos os três Diplomatas, pra gente explicar pros clientes que a contabilidade apenas registrará o bem como patrimônio do arrendatário, mas juridicamente o bem continua sendo do arrendador. Voltei a explicar que esse procedimento é obrigatório, está na lei, e é aplicável a todas as empresas brasileiras, grandes ou pequenas. Todas! Mesmo a contragosto meu cliente concordou com a contabilização do bem arrendado como bem do seu patrimônio. Ainda bem, ele aprendeu! Na saída, quando estava na porta, meu cliente pediu pra que comentasse um pouco mais sobre essa contabilidade de essência sobre a forma. Como se definira essa essência sobre os negócios? Adorei. Expliquei que com o padrão contábil internacional a contabilidade vai buscar a essência do negócio, não a forma jurídica como ele é realizado. No caso do leasing, a essência seria uma compra a prazo... Meu cliente caiu da cadeira. Ajudei-o. Pedi calma, e anotei que essa essência é apenas contábil. Me despedi, e já na porta, novamente meu cliente voltou a me interpelar: - nessa essência sobre a forma, disse ele, se um bem adquirido em nome da empresa não for necessariamente da empresa como ficaria a contabilidade? Pensei um pouco. Bem, como na essência esse bem não faz parte do patrimônio da empresa, apenas o contrato formal foi realizado em nome desta, não pode ser contabilizado como tal. Outra queda da cadeira. Meu cliente, ainda se levantando, faz uma confissão: - o veículo do leasing, objeto de sua visita, foi arrendado em nome da empresa, mas na verdade ele é de uso pessoal da minha esposa, é bem particular meu; o leasing em nome da empresa foi uma sugestão do vendedor, pois entrou como leasing pra frotista, com preço menor e taxa de juros melhor. Agora eu quase caí das pernas. No curso ninguém falou desse caso, mas na essência esse bem não é contabilizável, não é patrimônio da empresa. Me despeço sem responder meu cliente, preciso consultar os gurus Diplomatas, os Senhores dos Saberes, eles devem ter as respostas, todas, claro. Vou mandar um e-mail depois. Mas agora vou noutro cliente, empresa construtora, faz construção de residências. Expliquei a questão da essência sobre a forma, e os sócios-engenheiros gostaram bastante, pois no campo das ciências exatas as coisas são assim mesmo explicáveis (nas ciências humanas não se explica, se compreende). Tudo bem que eles não entenderam a essência da coisa, eu achava, mas fiz meu papel de consultor da contabilidade (no curso aprendi isso, deixamos de ser contadores pra ser consultores da contabilidade). Discutimos alguns outros assuntos, e na saída fui questionado: - nesse negócio de essência sobre a forma como fica as nossas construções quando registramos tudo em nome do contratante (registro CEI, empregados, compra de materiais, impostos, etc); lembre-se que fazemos isso com freqüência, pois obtemos economia tributária; na forma ficamos como administradores da obra, mas na essência construímos? Fiquei mudo. Na essência meu cliente faz construções, mas em muitos casos faz contrato formal de administração da obra, mas isso é só contrato, é forma, na essência é construção pura e simples. Pedi licença, preciso ligar urgente praqueles gurus. Os caras não explicaram isso! Saí, afirmando que depois teria uma resposta. Fui pra outro cliente, espero que o último nesse dia. Saí inspirado de casa, pra abafar com as informações do curso, mas até agora só deu dor de cabeça, só deu questionamentos. Agora nesse cliente deve ser mais fácil, a empresa dele é do Simples Nacional. Fichinha! Expliquei a essência sobre a forma (novamente). Meu cliente, administrador de empresas, ficou preocupado ao final da minha exposição, mas não entendi qual seria o motivo. Ele esclareceu: - meu caro, estou com duas empresas no mesmo endereço, só que em uma no número acresci a letra A; essa segunda foi aberta pra não estourar o limite do Simples da primeira, lembra? Inclusive foi você quem sugeriu a abertura dessa segunda empresa, que está em nome dos meus pais; você disse que um monte de gente faz isso, dessa mesma forma; se essa essência for verdadeira eu não tenho mais duas empresas, dois patrimônios a serem contabilizados, mas apenas um, pois apenas na forma jurídica são duas empresas, na essência uma só; e agora como fica minha contabilidade, o fisco vai me descobrir, e o gerente do banco ao pedir a contabilidade, qual informação lhe repasso? Não tive respostas. Vou perguntar pra alguém, depois lhe respondo. Saí, mais uma vez sem respostas. Resolvi visitar mais um cliente, afinal, vai que nesse consigo arrasar. Chegando no cliente, tirei da pasta um balancete de verificação do último mês, onde constava um caixa negativo (ninguém seja hipócrita, hein!). Expliquei pro cliente a essência sobre a forma, e ele ficou bem impressionado, afirmando que até que enfim o contador deixaria de ser um contador preenchedor de guias, poderia ser valorizado a partir de agora. Ufa, até que enfim acertei! Acho que até posso reajustar meus honorários. Num segundo momento, depois do êxtase inicial, apresentei o caixa negativo, e meu cliente disse que isso ocorre pelas vendas sem nota fiscal, coisa mais que normal nas pequenas empresas brasileiras. Quando meu cliente terminou da falar a essência sobre a forma veio a minha cabeça. Se na essência esse caixa negativo decorre de vendas sem nota fiscal, a contabilidade deve contabilizar essas vendas, pois essa é a essência; acho que não posso mais fazer aquele contratinho de empréstimo de dinheiro do sócio pra empresa, como sempre fiz, ou ainda, tirar um pouco de despesas pro caixa ficar azul. Pensei que das duas uma, ou deixo o caixa negativo, com base nos documentos contábeis apresentados pelo cliente (a contabilidade registra o patrimônio), ou mantenho esse valor negativo e pela essência registro receitas sem nota fiscal (uma conta contábil nova)! Realmente, hoje não foi meu dia. Vou pra casa. Peço desculpas ao cliente, digo que vou transmitir essas questões pros Senhores dos Saberes, eles podem me ajudar. Pensando, em casa, conclui que os problemas verificados no meu dia foram atípicos, isso não acontece com os demais colegas que trabalham com outras empresas pequenas, médias, micros, mínimas, nanicas, nanonanicas. Liguei pra um amigo contador, que também participou do curso, e expliquei meus questionamentos. Do outro lado o telefone ficou mudo. Meu amigo questionou: quer dizer que essa essência é isso mesmo, não é só pro negócio do leasing? Aqui no escritório abri uma empresa de processamento de dados, e dividi meu negócio contábil, agora sou dois, uma parte de mim faz contabilidade outra parte faz processamento de dados. Você sabe né, todo mundo faz assim pra economizar e eu não podia ter ficado pra traz. Se for assim a minha contabilidade também está errada, pois meu patrimônio é um só. Essa empresa de processamento de dados é apenas uma forma, na verdade verdadeira continuo sendo um só. Agradeci meu amigo. Desliguei o telefone. Não ajudou em nada. Liguei pra minha consultoria, empresa nacional, reconhecida, uma das maiores. Enquanto espera o atendente pensei na atividade da consultoria, e lembrei que a nota fiscal que eles me mandam é de venda de periódicos, não há nota de serviços! Mas qual a atividade desta consultoria? Qual a essência, a venda de periódicos ou o serviço de consultoria? Como defino qual a essência? Na nota fiscal, lembro, vem descrito que tenho direito a receber o material impresso por doze meses e receber consultoria pelo mesmo período. A essência seria venda de mercadorias ou venda de serviços? Desliguei o telefone, antes de ser atendido. Preciso contatar aqueles Diplomatas, só eles podem me salvar. Que nada, isso é besteira minha, o padrão contábil internacional é aplicável a todas as empresas, e é isso que tenho que fazer, o resto é resto, pensar diferente é pensar algo morto desde o início. Os pensamentos dos Diplomatas são pensamentos de Anjos, os outros pensamentos de Demônios. Entre Anjos e Demônios prefiro ser do bem, ser Anjo, claro. Realmente, o padrão contábil da Lei 11.638 é aplicável a todos! Estou convencido, mesmo não entendo de leis, prestei atenção no curso, e se aqueles que são os sabedores das leis disseram assim e assado, quem sou eu pra desdizer, pra contestar, vão dizer que eu não tenho certificados suficientes pra ter opinião contrária àquelas dos Diplomatas dos Saberes, aqueles que dedicam suas vidas a explicar o universo jurídico contábil, que abriram mão de amores e paixões pra decorar o Manual de Contabilidade, pra decifrar o direito natural do Conselho. Vou dormir, quem sabe amanhã o dia pode ser melhor. Mas, não posso esquecer que o padrão contábil da Lei 11.638 á aplicável a todos, não apenas as S/A e de Grande Porte. Não posso pensar diferente (será que há multa em alguma resolução por pensamentos diferentes, aqueles que a gente pensa quando não está pensando?).
Ainda bem que aprendi tudo isso! Ainda bem que sou amigo dos Reis. Ainda bem que não sou Doutor, sou estudante, eterno aprendiz. Ainda bem que conheci os cordéis do Patativa do Assaré, para quem “dêste jeito Deus me quis e assim eu me sinto bem; me considero feliz sem inveja quem tem profundo conhecimento”.

Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.

Nota
Não há quebras de parágrafo no texto. O autor utilizou uma escrita no estilo do José Saramgo, prêmio Nobel de Literatura.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

DIÁLOGO ENTRE O VENTO E O MAR, UM PARADIGMA CONTÁBIL

Marcelo Henrique da Silva

Pensar sobre um patrimônio contábil e um outro patrimônio jurídico, diferentes, pode parecer heresia num universo contábil dogmático. Entretanto, a concentração excessiva no aspecto dogmático – com menosprezo aos demais enfoques – influi negativamente nas possibilidades interpretativas, por impedir ao intérprete o acesso a dados fundamentais para o desenvolvimento da compreensão dos fenômenos jurídico-normativos, no que concerne a seus fundamentos e fins.

Na mitologia grega, Hermes, ao servir de mensageiro entre os deuses e os homens, agia, em verdade, como um construtor de pontes que possibilitavam, mediante a comunicação, a compreensão entre o mundo do Olimpo e aquele dos mortais.

Ao livre-pensador também cabe construir pontes. Entre estas estão as conexões que compete fazer entre as tantas possibilidades de estudo, visando alcançar a mais ampla compreensão possíveis dos fenômenos jurídico-normativos.

Na busca de sentido para um “patrimônio”, há se perceber uma divisão entre o “ser” e o “dever-ser”. No primeiro caso, refiro-me ao “ser”, estamos no universo da ciência contábil; no segundo, naquele das “prescrições legais deonticamente modalizadas”.

Como se sabe, a ciência (contábil) não se molda, ou é moldada, por padrões jurídicos impositivos, num verdadeiro “dever-ser”. A ciência está no universo do “ser”, livre das amarras do “dever-ser”.

O patrimônio contábil, aqui discutido, é aquele decorrente do “dever-ser”, das normas jurídicas impositivas. Estas, as normas jurídicas, com seus padrões normativos não dependem da ciência para sua validade, sendo apenas necessário que haja eficácia jurídica, técnica e social.

De qualquer modo, vale a advertência de que as referências sobre um patrimônio contábil, descritas nesse texto, decorrem das imposições normativas (um “dever-ser”), não representando, necessariamente, aquele da ciência contábil.

A partir deste olhar, levando-se em conta uma resistência natural aquilo que é novo e não prático, chegou a oportunidade de se discutir as diferenças entre o “patrimônio jurídico” e o “patrimônio contábil”, em especial com conexões da Lei 11.638 e do incompreendido, e desnecessário, RTT – Regime Tributário de Transição.

Iniciemos a construção de nossas pontes!

Ricardo Mariz de Oliveira, em trabalho de fôlego sobre o conceito de receita (de 2001), consignou, de forma brilhante, que “todo patrimônio é formado por um conjunto de direitos e obrigações de um determinado sujeito de direito, isto é, por elementos regulados pelo direito”.

Em outro trabalho (de 2008), sobre a Lei 11.638 e os reflexos tributários, Mariz de Oliveira reafirma que “as propriedades e quaisquer outros direitos sobre quaisquer bens, corpóreos ou incorpóreos, assim como as obrigações de uma pessoa passíveis de cobrança forçada, somente existem porque há normas jurídicas que as disciplinam, e são o que são segundo essas normas”.

Intrigante destacar, das afirmações acima, que o patrimônio de uma pessoa é um conjunto de relações jurídicas, reguladas pelo direito.

A afirmação de que o patrimônio é jurídico reflete diretamente no universo contábil: o patrimônio da pessoa não decorre dos registros contábeis, mas sim das suas relações jurídicas, reguladas pelo direito.

Nesse sentido é a opinião precisa de Marco Aurélio Grecco, para quem Receita e Faturamento, para efeito de incidência da COFINS e da contribuição ao PIS, são conceitos jurídico-substânciais e não contábeis, de tal modo que essas contribuições somente alcançam o que efetivamente for receita ou faturamento, qualquer que seja a forma de contabilização, mas não o inverso. Primeiro é preciso ter a natureza jurídica de receita ou faturamento, para que, depois, a forma de contabilizar seja irrelevante.

Nem de outra forma poderia ser porque, se assim não fosse, bastaria um lançamento à conta de receita para incidirem as duas contribuições, ou um não-lançamento a essa conta para eliminá-las.

Embora não se admita com tranqüilidade, a contabilidade não possui o condão de dar, oferecer, regular ou alterar a natureza jurídica de qualquer um dos elementos do patrimônio de uma pessoa, isto cabe ao direito. A contabilidade registra, demonstra e explica esse patrimônio, através de técnicas e procedimentos científicos, e apresenta-o a seus usuários, quem quer que seja.

O patrimônio da pessoa, regulado pelo Código Civil Brasileiro de 2002, é o complexo de “relações jurídicas”, dotado de valor econômico. Ou seja, o patrimônio é jurídico, não contábil.

Nesse ponto, assevera Mariz de Oliveira, “é bom não se perder de vista que, se não houvesse o Estado de Direito e suas leis, ninguém poderia ter o domínio sobre as coisas do mundo, e ninguém poderia ser compelido a cumprir suas obrigações, prevalecendo um ambiente de força física para apropriação de coisas, e não haveria patrimônio a ser contabilizado. Ao contrário, no Estado de Direito, a contabilidade registra os patrimônios segundo os direitos e as obrigações das pessoas, conforme as leis lhes outorgarem”.

O patrimônio jurídico e o patrimônio contábil, com raríssimas exceções e a contragosto de algumas normas administrativas, caminharam juntos (para muitos ainda continuam). No sentido da separação destes patrimônios vale destacar a Deliberação CVM nº 29/86, que na busca de uma essência contábil, não muito explicada até hoje, expunha que “a contabilidade possui um grande relacionamento com os aspectos jurídicos que cercam o patrimônio, mas, não raro, a forma jurídica pode deixar de retratar a essência econômica. Nessas situações, deve a Contabilidade guiar-se pelos seus objetivos de bem informar, seguindo, se for necessário para tanto, a essência ao invés da forma”.

No objetivo da CVM (deve existir algo assim no CFC – depois alguém me avise!), com aplicação de uma suposta essência econômica sobre a forma jurídica, o patrimônio contábil seria diferente do patrimônio jurídico.

Entretanto, em que pese uma boa intenção contábil, esta resolução é ato inferior a lei, não podendo contrariá-la, restringi-la ou ampliá-la, e como as leis não previam essa “essência econômico-contábil”, a resolução não possuía qualquer força impositiva.

Recorde-se que o patrimônio da pessoa é o complexo de “relações jurídicas”, tendo como essência o direito, conforme as normas jurídicas. Não podemos nos perder deste fundamento.

Com o padrão contábil, prescrito pela Lei 11.638, as poucas empresas obrigadas à adoção, bem como seus usuários, verão surgir, com nitidez impar, um patrimônio contábil distorcido daquele patrimônio jurídico. Agora sim com fundamento legal, a Lei 11.638.

Evidentemente que o patrimônio da pessoa, para fins de direito, continuará sendo aquele regulado pelo direito – patrimônio jurídico; o patrimônio contábil, para fins contábeis e de alguns de seus usuários, poderá ser distorcido daquele jurídico pelo próprio direito (Lei 11.638), em decorrência de um “dever-ser”.

Como avisado anteriormente, não vem aqui ao caso discutir normas jurídicas e ciência contábil, a primeira decorrente de um “dever-ser”, a segunda do “ser”. Temos que a Lei 11.638 é norma jurídica deonticamente modalizada. Permitindo, proibindo ou obrigando alguns, dentro dos limites e extensão da “interpretação do direito”, a adoção de um padrão contábil específico (nem novo, nem velho, específico!).

A Lei 11.638 regulou o “registro” contábil, mas não alterou em nada o direito patrimonial, ou, de outra forma, as normas jurídicas que compõe o complexo de leis que regulam as “relações jurídicas” do patrimônio.

Para que se compreenda a “novidade” apresentada, é necessário anotar que as relações patrimoniais continuam sendo reguladas por normas jurídicas do direito privado, ou público em alguns casos. Os bens, direitos e obrigações continuam submetidas às normas jurídicas que as regulam, independentemente da forma contábil adotada.

Nesse sentido é o esclarecimento de Mariz de Oliveira, onde “o negócio de compra e venda continua sujeito ao que sobre ele diz o Código Civil a partir do art. 481, e sua causa (a função prática) continua a ser aquela que tal regramento jurídico atribui, nada sendo afetado pela maneira como cada uma das partes do negócio o escriturar graficamente em seus livros contábeis”.

O arrendamento mercantil, por exemplo, atualmente decantado em verso e prosa como o exemplo maior da essência sobre a forma (ainda que não se saiba ao certo qual é essa “essência” e qual sua extensão), continua sendo um arrendamento mercantil regulado pelo direito; na essência (jurídica) continua sendo arrendamento mercantil.

A forma de contabilização deste contrato jurídico de arrendamento não altera a sua natureza, que é jurídica e permanecerá jurídica; continuará sendo arrendamento mercantil, com ou sem a anuência da contabilidade.

O bem arrendado continuará sendo patrimônio jurídico do arrendador, independentemente da forma como este e o arrendatário operarem em suas contabilidades. A contabilidade não altera a natureza jurídica do bem, aquela da relação contratual. O bem do arrendamento continua sendo patrimônio daquele que o direito assim o regulou, no caso o arrendador, até que o direito opere a transferência para o, até então, arrendatário.

Se há alguma essência econômica sobre a forma jurídica, esta é apenas no plano contábil. Para o direito, o arrendamento mercantil é arrendamento mercantil, exceção feita na ocorrência de simulação ou dissimulação.

Alguns usuários da contabilidade, daquelas empresas obrigadas a adotar o padrão contábil da Lei 11.638, poderão ver nas demonstrações contábeis não mais o patrimônio jurídico, mas um patrimônio contábil, onde a “essência” econômico-contábil prevalecerá sobre aquela da relação jurídica. Tudo sobre a tutela da Lei 11.638.

Essa diferença patrimonial, entre o jurídico e o contábil, mal entendida, produziu uma norma desnecessária, no caso o RTT – Regime Tributário de Transição.

Muito se escreveu, muito se questionou, muito se polemizou sobre esse RTT; mas esse regime é desnecessário, desde que se compreenda a essência (olha a essência aí de novo!) da diferença entre o patrimônio jurídico e o patrimônio contábil.

Como visto alhures, a Lei 11.638 alterou o padrão contábil para algumas empresas, não para todas, diga-se de passagem (pra tanto leiam os textos disponíveis na internet dos professores Antonio Lopes de Sá e Wilson Zappa Hoog). Ocorre que estas alterações são exclusivas no universo contábil, não houve alterações de normas jurídicas do direito privado ou público, nem mesmo do direito tributário.

Vale anotar que o direito é uno e único, alimenta-se da mesma fonte. O direito é árvore que apenas se ramifica como forma de facilitar o ensino didático, bem como para melhorar sua funcionalidade. Mas é único.

A Lei 11.638 não produz qualquer impacto no direito tributário (ramo didático do direito). A forma de contabilização não transforma a natureza jurídica de uma receita para despesa apenas pela escrituração, ou vice versa. Uma venda a prazo, com juros embutido, continua sendo tributada como venda a prazo, pelo todo, mesmo que a contabilidade (da essência econômica!?) separe uma parcela para venda de produtos e outra pra juros. Para o direito a essência continua sendo venda a prazo, e para o direito tributário continua sendo venda a prazo, independentemente do “modus operandi” contábil. Independentemente do padrão contábil. Independentemente da existência ou não de um contabilidade.

Com ou sem RTT, o patrimônio tributável é aquele jurídico. Não houve alteração legal desta disposição. O RTT é redundante, pois não há qualquer permissão para tributar algo com base em lançamento contábil.

O direito tributário, pra que se tenha noção, autoriza a dedução como despesa dedutível dos valores pagos a título de arrendamento mercantil, com exceção da parcela residual, independentemente da forma adotada pela contabilidade. Isso porque o direito tributário não mudou, as normas jurídicas continuam regulando a matéria, e autorizando o gasto dedutível. E lembre-se, independentemente da forma contábil.

A contabilidade, qualquer que seja o padrão, não regula a natureza jurídica do patrimônio, isso é exclusivo do direito, que também é quem dispõe sobre tributação. O registro contábil não é fonte material para a tributação.

Nunca houve, portanto, permissão legal para tributação com base em lançamentos contábeis, com ou sem padrão contábil, com ou sem RTT.

A tributação brasileira decorre das relações oriundas do patrimônio jurídico, nada mais.

A função do RTT, se é que há alguma, seria apenas esclarecer o óbvio: a neutralidade tributária frente aos registros contábeis.

É, por fim, o respeito ao direito positivo, nada mais!

Fazer conexões é papel essencial da hermenêutica jurídica. Esta não se reduz à interpretação de textos legais para a solução de casos concretos. Tem escopo mais amplo: construir a compreensão mais ampla possível de todo o fenômeno jurídico.

Por derradeiro, antes que seja lançado na fogueira, vale anotar um importante pensamento do filósofo e político inglês Francis Bacon: Leia não pra contradizer nem para acreditar, mas para ponderar e considerar.

Considere. Está aberto o diálogo!

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Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.

terça-feira, 9 de junho de 2009

CONTABILIDADE: POLÍTICA DE NORMAS OU NORMAS PARA POLÍTICAS?

Antônio Lopes de Sá


Segundo notícia veiculada pela mídia eletrônica a “indústria da Contabilidade” adaptou as “normas” ao sabor dos valores que as instituições financeiras desejaram (assim está expressamente escrito em edição de 04/06/2009 de “Valor on Line”, no artigo intitulado “A vitória contábil dos Bancos Americanos”).

A denominada “nova Contabilidade” infere-se sem esforço, lesando a ética e a ciência, deixa a fixação de valor deveras “flexível”, ou seja, “ao sabor do cliente”, segundo a noticia referida claramente deixa transparecer, informando ainda que milionária campanha pela imprensa fez da norma do “Valor Justo” um instrumento de malabarismo informativo.

Tal como esclareci em artigos anteriores que publiquei, a noticia de Valor on Line expressamente informa que “A questão contábil está no cerne da crise financeira”.

Ou ainda, a produção de lucros ou de perdas, seguindo a ajustes garantidos pelas “normas internacionais”, pela denominada “nova Contabilidade”, enseja imagem depreciativa no que tange ao destino e qualidade da mesma; isto o que se lê no artigo da publicação referida, ou seja, “ipsis litteris” “A mudança da regra enfureceu alguns defensores dos direitos dos investidores”.

Quando uma coisa, um fato, segundo a lógica, “é” e “não é” ao mesmo tempo, deixa de ser verdadeira por adotar o “contraditório” como norma; o “alternativo” se enquadra nessa categoria.

Assim um dos maiores intelectuais da Lógica moderna, Goblot, positivamente leciona em seu consagrado “Traité de Logique” (página 237), tratando dos raciocínios formais.

Segundo o divulgado pela mídia eletrônica o Comitê de Normas Contábeis adaptou rapidamente regras ao sabor das vontades dos que dominam mercados; sintomática é a informação do artigo da Valor On Line: “O presidente da entidade, Robert Herz, disse ao WSJ que a FASB apenas acelerou a questão na agenda, procurando dar atenção aos pontos de vista tanto dos investidores como das empresas financeiras.”.

Fácil é inferir, sem exigir muitos neurônios para isso, que a questão se situa em “normas para políticas”.

O que não se editou, todavia, no artigo em tela, é que tal forma de conduzir as normas ao sabor dos critérios de conveniências de grupos econômicos não é nova, nem os Bancos são os inventores da prática, pois e há décadas já assim ocorria.

O uso de entidade contábil para produzir normas ao interesse dos clientes dos dirigentes dessas
instituições está acusado ostensivamente na página 9 do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado dos Estados Unidos editado pela imprensa oficial daquele País em 1977, número de identificação 052-071-00514-5, editado sob o título “The Accounting Establishment”.

A fé nas normas, pois, já estava corrompida há décadas e a comissão de inquérito do Senado referido foi sumária e positiva em afirmar sobre a desconfiança no processo normativo quando afirmou que era preciso resgatar a confiança nas demonstrações contábeis, sendo necessária uma “reforma das mesmas” (página V da publicação identificada neste artigo).

Afirmou o relator, Senador Lee Metcalf que a economia dependia de informações contábeis sadias e que isso deveria representar meta e esforço para que fosse conseguido (página IV da publicação identificada neste artigo).

A questão, pois, não se resume apenas em fatos atuais como se originais fossem, nem em entender que foram apenas pressões que alteraram as normativas políticas; o costume de produzir maquiagens de demonstrações via normativa é antigo segundo assim acusado há décadas.

O caso da ENRON que tanto impacto criou pela expressão do mesmo, atingindo a milhares de investidores, foi inspirado no uso dos tais valores de “marcação a mercado” (Valor Justo, como é denominado nas normas) segundo comprova documentário em arquivo magnético editado pela Paris Filmes em 2005, produção de Alison Ellwood.

A denominada como “nova Contabilidade”, pois, com “antigos vícios”, está a evidenciar que o oficialmente adotado para as empresas de capital aberto, para as de grande porte, deixa de merecer confiança, como já de há muito já não merecia, segundo ostensivamente expressam os veículos referidos.

A culpa, pois, não é da Contabilidade (mesmo por que esta não se confunde com informação apenas, esta uma técnica e aquela uma ciência), mas, dos que revestidos de poder se utilizam do nome de uma profissão honrada, das funções que lhe são outorgadas pelas coletividades, para com o uso de tais privilégios ampararem os males das especulações financeiras; dos que insensíveis ao prejuízo de milhares de pessoas, como agora uma vez mais se confirma nessa macro crise, não dirigem suas forças para que a moralidade informativa seja um império a proteger a dignidade profissional e o bem estar social.

Um profissional que respeita a ética, amando o que professa, tem responsabilidade consigo e com o social, não cede a pressões, não macula o juramento que fez quando o título de Contador recebeu; inaceitável, pois, para mim, é a acomodação de informes e práticas ao sabor de interesses que não são os reconhecidamente dignos e virtuosos, que não respeitam a ciência, o espírito das leis e seque o valor humano.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

EMPRESAS DE MENOR PORTE E ORIENTAÇÃO CONTÁBIL

Antônio Lopes de Sá

A colaboração que o Contador pode dar à empresa vai muito além dos limites que a maioria dos empresários requer.

Preocupados com os rigores das exigências fiscais, cada vez mais complexas, ao profissional da área contábil tem ficado pouco tempo, também, para fazer ver aos clientes quantos recursos podem ser oferecidos pela tecnologia.

Erros administrativos, pois, podem ser acumulados em razão da falta de indagação analítica sobre os acontecimentos do dia a dia.

A tendência de deixar-se absorver pela burocracia veda a visão às vezes sobre as coisas mais importantes, sobre detalhes da vida dos empreendimentos; a falta de “parar para pensar”, de “dialogar”, pode custar muito caro, e, deveras custa.

Assim, por exemplo, o simples pesquisar até que ponto uma variedade de produtos a venda é proveitosa para uma empresa pode provocar menores lucros e até prejuízos.

Portanto, indagar sobre a conveniência de concentrar a produção em um só artigo ou manter diversos deles é fato vital nas indústrias; o mesmo ocorre no comércio com a variedade de mercadorias, e, também, nas prestações de serviços.

O profissional da Contabilidade, em função de consultoria, pode realizar indagações analíticas que oferecem conclusões sobre os “critérios de conveniência”.

Não importa o tamanho que a empresa possa ter; a maioria, sabemos, é de pequena e média dimensão (99,99% do universo dos empreendimentos), mas, mesmo assim, o problema continua sendo o mesmo, necessitando de atenção.

Diversificar ou não, manter a diversificação ou não, são questões do dia a dia que um contador pode estudar para a orientação clientes.

A importância da análise de custos destaca-se, pois, como algo de relevância na vida dos negócios.

Em geral, quando se fala em custos a primeira idéia que surge é a de “complicação”; hoje, todavia, os sistemas estão de tal forma beneficiados pelas conquistas da Informática que a questão pode ser resolvida com simplicidade.

A fim de mostrar o quanto é singelo o tema escrevi uma obra sobre Custos que a editora Juruá tem no prelo; a questão é só a de adotar um bom método, adequado ao que a empresa necessita, em vez de se meter em complexos enlatados comerciais que geralmente importados não servem para o caso brasileiro.

Em geral as formações universitárias enfocam prioritariamente grandes organizações como “modelos”, quando, em realidade, dever-se-iam preocupar prioritariamente com o que representa a quase totalidade do universo de trabalho e que é constituído de menores organizações.

Não se trata de sugerir a exclusão do estudo das empresas maiores, mas, sim de atribuir preferência ao que possui grande expressão social e que na prática representa a maior fatia do mercado de trabalho.

Como professor sempre me preocupou criar em meus discípulos uma consciência ética de socorro aos menores, em nível de igualdade ao que se daria aos grandes empreendimentos, pois, não se deve discriminar em matéria de assistência profissional.

O fato de alguns empresários entenderem que a escrita contábil só tem a finalidade de cumprir formalidades fiscais impede aos mesmos de tirar um grande proveito do valor que representa a análise das informações, mas isso não deve representar um obstáculo e sim um estimulo para o contador, no sentido de esclarecer e ajudar.

É natural que um comerciante possa desconhecer tal utilidade, mas, não o é que o profissional deixe de prestar orientação, mesmo quando essa não venha a ser requerida.

Compete ao contador a iniciativa de mostrar o valor de uma análise de situação, a importância dos levantamentos e estudo dos custos, a dos controles internos mesmo singelos, de manejo financeiro de menor risco.

Um homem de negócios quase sempre entende bem do ramo que tem como atividade, mas, nem sempre de como se administra de forma eficiente; saber comprar, vender e fabricar não basta.

Conheci empresários que sendo bons entendedores das técnicas comerciais e industriais fracassaram, todavia, em seus empreendimentos; também lidei com os que valorizaram as orientações técnicas contábeis e administrativas e tiveram grande sucesso; não foram poucas as empresas pequenas que pela consultoria que lhes ofereci transformaram-se em médias e até em grandes.

O que diferencia o conhecimento empírico daquele científico é a qualidade do mesmo em face da racionalidade.

A percepção subjetiva que cada um, pela experiência vai adquirindo, termina por formar juízos próprios de cada pessoa, mas, nem sempre esses são válidos em todas as partes e sob quaisquer circunstâncias.

Muitos empresários podem dar-nos lições de suas vidas e experiências, mas, poucos entendem o porquê realmente as coisas acontecem em relação ao comportamento da riqueza.

Por isto é habitual encontrarmos máximas errôneas, que aceitas como certas podem até ter aparência de eficácia, mas, na realidade representando apenas uma parcela do que de um total de sucesso poderia ser conseguido.

A orientação contábil pode e enseja corrigir erros administrativos; como ciência que é a Contabilidade não se confunde com a informação que muitos acham ser o seu limite; por mais sofisticado que seja um sistema informativo ele será sempre ineficaz se não for utilizado como instrumento de orientação racional, tenha a empresa que dimensão tiver.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

SAPIÊNCIA CONTÁBIL

Marcelo Henrique da Silva
Maio/2009

Senti-me inquieto. Ciência Contábil? Padrão Contábil? Lei Contábil? Ser? Dever-ser? Onde estamos e pra onde vamos? Conhecemos o(s) caminho(s)?

No desassossego me propus a construir e a desenvolver uma reflexão, simples, sobre as bases nas quais deveria assentar uma política contábil de educação que levasse em conta as contingências do cotidiano do profissional da contabilidade.

Como diria Bernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa), no Livro do Desassossego, “se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir”.

Meus sentimentos...

A ciência é intrínseca, histórica, sociológica e eticamente complexa. A ciência não se molda, ou é moldada, por padrões jurídicos impositivos, num verdadeiro dever-ser. A ciência está no universo do ser, livre das amarras do dever-ser.

A ciência tem necessidades que as normas jurídicas desconhecem. A ciência e o cientista não se curvam diante de impropriedades impositivas, normativas.

As imposições legais burocratizam os pragmáticos, os tecnocratas e aqueles desprovidos da arte de pensar, os normativistas. Ciência sem consciência é a ruína do homem. Ciência sem consciência é um eterno obedecer. Ciência necessita de consciência. A ciência é um caso raro de amor com a responsabilidade pessoal e social, num momento de irresponsabilidade generalizada. Ciência, como se sabe, é um processo sério demais para ser deixado nas mãos de legisladores, de conselheiros, de delegados...

No direito positivo as normas jurídicas estabelecem um dever-ser, modalizados deonticamente em Permitido, Proibido e Obrigatório. Todas as normas jurídicas são reduzidas a esses três functores. Essas normas jurídicas, impositivas, não retratam a Ciência, mas, apenas, um dever-ser. Nada mais.

Por certo, em determinado instante ou momento podem, até, num lapso, existir um entrelaçamento entre ciência e norma jurídica. Mas a relação é temporal, atípica. Não obrigatória.

As normas administrativas, por si só, obedecem as normas jurídicas; não são capazes de permitir, proibir ou obrigar nada que não decorra de Lei.

As Resoluções (do Conselho de Contabilidade) são atos inferiores a Lei, não podendo contrariá-la, restringi-la ou ampliá-la, uma vez que o ordenamento jurídico pátrio não permite que atos normativos infralegais inovem originalmente o sistema jurídico.

Estas, as resoluções, não são, nem representam a Ciência Contábil. São atos pragmáticos, burocráticos; muitos deles do e para o poder.

Podem como as normas administrativas, até, em determinado momento, espelhar a Ciência Contábil, mas, também, de forma temporal, atípica. Estão no universo do dever-ser; a Ciência no ser.

O cientista limitado nas imposições de um dever-ser não faz ciência, faz uma não ciência. Produz um “foie gras”, ou, algo doente!

O olhar do cientista contábil não descreve a norma impositiva; ele explica a cegueira (nossa de cada dia). A Lei Contábil não mutila o pensamento do cientista. A Lei Contábil é um obedecer ordens, num dever-ser normativo interminável; o cientista é livre e se mantém consciente nos valores de uma ciência consciente.

Quando se discute a legalidade e aplicabilidade das Leis 6.404, 11.638 e da já convertida MP 449 (agora Lei 11.941), estamos no universo do dever-ser. Estas, em nada representam a Ciência Contábil. Podem, por certo, até possuir pontos em comum, muitos, poucos, tanto faz tanto fez, mas não estamos no universo Cientifico Contábil, estamos naqueles das relações jurídicas impositivas, do dever-ser.

As normas jurídicas, certas ou erradas, legais ou ilegais, aplicáveis ou inaplicáveis, não dependem da ciência para que sejam impositivas. Basta que tenham eficácia jurídica. Basta isso, que tenham eficácia jurídica, não científica (infelizmente).

Ciência Contábil não são as leis, as normas administrativas, os dogmas, pois está noutro plano, superior e consciente. A ciência não depende das normas jurídicas pra ser ciência.

A verdade científica é o que é, e segue sendo verdade, ainda que se pense ou se imponha o revés.

Montesquieu disse que “a experiência constante nos revela que todo homem investido de poder tende a abusar dele, e a levar a sua autoridade até onde chegue o poder”. Para prevenir tais abusos é necessário que o poder seja contido pelo poder. Na realidade, o “poder da ciência” não se oprime diante do “poder dos normativistas”.

A ciência, sabe-se hoje, nunca teria sido ciência se não tivesse sido transdiciplinar, se tivesse se submetido ao normativismo. O conhecimento unidimensional daqueles que são e estão no poder acabam por produzir normas vulgares, de segunda linha, desconectas de uma ciência transdiciplinar. Fechados em e por sua disciplina, eles se trancafiam em seu saber parcial e produzem, isso sim, a ruína do homem! A ruína da ...

Damo-nos conta de que falta uma Ciência Contábil à contabilidade contábil! Não falta ao cientista consciente, mas àqueles atropelados pelo dever-ser normativo.

Damo-nos conta que as imposições contábeis das Leis, em decorrência do dever-ser, devem ser cumpridas pelas relações obrigacionais. Mas não representam, necessariamente, a Ciência Contábil lato sensu.

No caso específico das Leis Contábeis é possível levantar questões de ordem jurídica e de ordem cientifica, uma independentemente da outra. Ocorre, evidentemente, que se eficaz a norma jurídica, teremos conflito no campo científico. Mas o cientista, inconformado com o caminhar do dever-ser, não se submete ao normativismo. É livre. Um livre pensador. Cientista consciente.

Pode parecer que apresento um quadro desesperado, que introduzo dúvidas generalizadas, que, destruindo a rocha sólida das convicções, provoco pessimismo desmoralizados e devastador. Mas isso seria esquecer que é necessário desintegrar as falsas certezas e as pseudo-respostas quando se quer encontrar as respostas adequadas.

As cartas estão na mesa!

Mas continuo inquieto, desassossegado...


Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Origem da expressão Contabilidade

PROF. DR. ANTONIO LOPES DE SÁ

O termo Contabilidade, hoje tão sólido e reconhecido em nosso idioma é, todavia, muito antigo; não existem provas inequívocas da data de aparecimento do referido, mas, hipóteses podem ser formuladas.

A História registra palavras, cada uma em cada idioma, com o pertinente respeito à visão etimológica, mas, para nós, em português, o conceito sobre esse conhecimento específico parece ter proveniência de uso da expressão na península Ibérica há mais de meio milênio.

Logicamente cada povo, nos 6.000 anos de história da disciplina teve a própria forma de conceituar; tão relevante foi a influência dos “escribas” sumerianos que a escrita contábil gerou a “escrita comum”, segundo atestam pesquisadores e estudiosos como Goody[1].

A Suméria era uma região rica, de comércio intenso, abrigando profissionais que se dedicavam a escriturar os fatos havidos nos templos, palácios, lavouras, comercio e na indústria; inclusive, segundo descobertas arqueológicas, existiram escolas de escrituração contábil[2].

Na referida região os profissionais possuíam uma denominação específica e que no idioma deles se expressava por «Pa-dub-dar» para os Contadores e «dub-sar» para os auxiliares de escrita ou técnicos em registros contábeis.

Já naquela remota época eram distintas as funções entre simplesmente escrever e entender os registros.

Logicamente, não havia a expressão Contabilidade, no sentido que hoje empregamos, nem a de Contador (tais conceitos mesclavam os de aconselhamento e sabedoria, em alto nível, como se comprovou pela arqueologia, em relação ao Egito aonde os contadores pertenceram à alta classe dos sacerdotes).

O mesmo foi ocorrendo ao longo do tempo, inclusive nas civilizações clássicas como Grécia e Roma.

Tudo indica, portanto, que se ligavam as expressões referidas não só ao fato de “registrar” ou “escrever”, mas de ”aconselhar” e “raciocinar”(o contador Akai, ao qual se dedicou uma estátua cujo exemplar está em Paris, no Louvre, foi inclusive embaixador de faraós).

O conhecimento de escriturar foi uma especialidade tão respeitada e destacada nas sociedades antigas que segundo se comprovou por registros e referências era a maior no serviço público da Roma.

Alguns estudiosos de etimologia, entretanto, admitem que a expressão Contabilidade, em português, provém do francês «Comptabilité».

Seria o termo, pois, um galicismo, segundo tal hipótese.

Sobre isto, entretanto, tenho profundas dúvidas e não disponho de provas convincentes, históricas, que possam alimentar a tese da origem referida.

As obras francesas dos primeiros anos do século XVII, não inserem a expressão “Comptabilité”, mas se referem apenas à forma de escriturar, ou seja, de “manter livros”.

O mais famoso autor francês do século XVII, protegido de Colbert, o contador Claude Irson, em sua obra de 1678 escolheu como titulo de seu livro : “Método de bem conduzir todas as sortes de contas em partida dobrada...”.

O destaque era sempre para as “contas”, estas que sempre tiveram importância destacada ao longo da história.

As denominações: Contador, Contabilidade, não se utilizaram no idioma francês, tanto nos séculos XVII como XVIII, nos livros mais famosos da literatura técnica (onde se empregava a expressão Guarda Livros como preferencial - «Teneur des livres»).

Pelos estudos e pesquisas que realizamos entendemos que as origens do termo Contabilidade e Contador, mais provavelmente tiveram berço Ibérico.

Em 2 de Novembro, de 1437, em 30 de Novembro de 1442, o Rei Dom João II, de Espanha, emitiu Ordenanças onde se lê as expressões: «Contadoria» e «Contadores».

O texto real é claro: «Yo El Rey fago saber á vos los mis Contadores mayores......».

O primeiro profissional nomeado para o Brasil, especificamente como “Contador da Casa Real”, foi Gaspar Lamego, em 05 de Janeiro de 1549, por carta de rei Dom João III, quando do governo geral do militar e político lusitano Tomé de Souza; naquela ocasião já era empregado o termo “Contador”.

Na mesma época e com a classificação de Guarda Livros das casas da Fazenda, Contos e Alfândega, foi nomeado Bastião de Almeida, fazendo, no caso distinção funcional.

Tão distintos eram os conceitos de Contas e de Contadores, logo de Contabilidade também, que em 10 de julho de 1554, o Imperador Carlos, de Espanha, editou outra Ordenança, já empregando as expressões «Contadores de Contas», «Contadoria Geral da Fazenda», «Contadores Principais» e «oficiais da Contadoria».

Tais termos consagrados na Espanha, com provas históricas desde 1437, não permitem dúvidas quanto ao seu uso; derivações naturais foram depois surgindo (uma delas além das apresentadas é a de Tribunal da Contadoria e que já surge no século XVI e se consubstancia em ordenança em 1602, referindo também a três classes de Contadores).

Pelo emprego das palavras, pelas provas que possuímos em decorrência de pesquisas, somos induzidos a crer que tudo parece contribuir para aceitar-se a origem da expressão Contabilidade como Ibérica, existente, segundo as provas induzem a crer, provavelmente desde o século XIV.

O termo “conta” se encontra frequentemente já referido em um “Tratado da Arte da Seda em Florença”, escrito no século XV, inclusive oferecendo tecnologia de custos realizados pelo processo das partidas dobradas (vários exemplos mencionam a data de 1453), contendo referências a Tratados sobre o mesmo tema, relativo ao século XIII (de 1225 a 1327).

Tais indícios, mesmo sem gerar provas, induzem a crer que a expressão Contabilidade aferrou-se à de “Conta” e que essas já estavam como tal consagradas no idioma latino.

Notas:
[1] Jack Goody - A lógica da escrita e a organização da sociedade, edições 70, Lisboa, 1986
[2] Federigo Melis - Storia della Ragioneria, edição Zuffi, Bolonha, 1950