Em Contabilidade, como em qualquer outro ramo do conhecimento humano é comum a confusão conceitual prejudicar a visão sobre a realidade dos fatos.
Como os julgamentos e os “julgamentos de julgamentos” dependem da inteligência, cultura e competência do ser humano, e, como nem todos os indivíduos se igualam nessas qualidades da mente e do espírito, natural é que os atributos essenciais e formais das idéias possam implicar distorções.
Entre leigos, e até entre profissionais ainda em formação, é comum limitar o entendimento sobre a Contabilidade à simples informação ou registro de acontecimentos.
Não foram poucos os que ao longo dos anos definiram a nossa disciplina como a “arte de registrar contas”; ainda há quem assim entenda a questão, seja por ignorância da história do conhecimento seja pela falta de cultura doutrinária.
Houve uma época, há mais de meio milênio, em que o registro de livros de escrituração contábil era ensinado em escolas de Matemáticas; pouco antes que os portugueses chegassem ao Brasil, em Veneza, era famosa a escola de “Bragantino” que ensinava a manusear máquinas de calcular (Ábaco), fazer cálculos e registrar por partidas dobradas; consta que o famoso Luca Pacioli estudou na mesma.
Não foram poucas as vezes que advogados, médicos, profissionais de outras áreas entenderam que eu fosse um grande versado em Matemática porque me tornara conhecido como douto em Contabilidade; tive não raras vezes que explicar que os números eram apenas formalizações e não os próprios fatos que estudávamos em nossa disciplina.
Os julgamentos, pois, que as pessoas fazem está na razão direta da competência que possuem a respeito de um ramo de conhecimento; a afirmação resulta de um entendimento que nem sempre corresponde à realidade das coisas.
Incompreensível, todavia, é que um profissional possa mesclar juízos sobre a disciplina que tem por obrigação conhecer; só mesmo muita falta de atualização de uma cultura de qualidade superior pode gerar tais equívocos.
Há dias, entretanto, chegou ao meu conhecimento que até alguns que se apresentam como “professores” estavam a imaginar que “Normas de Contabilidade” fossem a própria e exclusiva Contabilidade; e pior – assim declaravam publicamente; ou seja, além de estarem equivocados ainda induziam terceiros ao equívoco.
Há uma substancial diferença nos domínios da lógica, da realidade, entre “forma” e “essência das coisas”.
Como um retrato não é a própria pessoa, mas uma visão física da mesma, uma informação derivada de registro e demonstração não é o próprio acontecimento; isso é axiomático.
Como uma foto pode ser distorcida por efeito de vários fatores (lente, iluminação, velocidade, sensibilidade etc.) também os demonstrativos o podem através dos instrumentos que lhes ensejam a evidência.
Normas regulam apenas a forma; o estudo da essência pertence ao campo da realidade, da verdade, logo, da ciência.
O lógico seria que as normas se estribassem na ciência, mas, isso nem sempre acontece.
Um bom entendedor de normas pode ser um incompetente analista de balanços e até uma nulidade em matéria científica; é absoluta insensatez admitir ou afirmar que as Normas possam anular as doutrinas; isso é tão insensato quanto o dizer que a maneira de escolher um parafuso para montar um automóvel vai mudar as leis científicas da Física.
Uma coisa é a preocupação de produzir para terceiros a imagem que se deseja refletir para fins de interesses bursáteis ou econômicos e outra a de conduzir a informação para que venha a ser usada como instrumento de decisão na gestão dos negócios.
Uma nota difundida pela Folha de São Paulo e espelhada na Internet (em NETLEGIS) datada de 29 de agosto de 2008 mostra como a simples aplicação de uma Norma mudou um prejuízo de mais de 40 bilhões em lucro de mais de 3 bilhões de reais no Banco Central do Brasil; a “realidade” nacional, todavia, se infere da própria nota referida quando afirma que: “Com a mudança, na prática, nada mudará, pois o Tesouro continuará cobrindo o prejuízo do BC como ocorria antes.” “Por outro lado, o Tesouro emitirá títulos no valor de R$ 44 bilhões para transferir os recursos ao BC.”
Claro está que na verdade nada se alterou, mas, o Balanço do Banco, este sim, simplesmente com o uso de uma norma apresentou a reversão de situações redituais em bilhões de reais.
Se perdas viram lucros, estes viram perdas, ao sabor de normas subjetivas, não são tais coisas resultados da ciência, nem de doutrinas científicas em Contabilidade; confundir, portanto, o comportamento normativo com aquele das ciências é algo injustificável; chega a ser daninho quando difundido como se verdade fosse.
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Nota: Veja aqui a íntegra da matéria sobre o resultado do Banco Central publicado no Jornal Folha de São Paulo, do último dia 29/08/2008.
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