quinta-feira, 21 de maio de 2009

INTERROGRAÇÕES SOBRE SOBERANIA TRIBUTÁRIA E NORMAS CONTÁBEIS

Antônio Lopes de Sá

Mudança de critério contábil pode alterar profundamente a informação sobre a realidade das informações patrimoniais e de resultados das empresas.


Raciocínio lógico, portanto, sobre a atual situação nacional, quando fervilham temas como o relativo à Petrobras, em face da controvérsia com a Receita Federal, permite a formulação de muitas perguntas, principalmente de uma deveras relevante: terá o Brasil perdido soberania tributária, ficando a mercê de procedimentos expedidos por entidade particular sediada no exterior que dita critérios sobre informações?


Que rumo estaria sendo imposto ao cenário financeiro, econômico e contábil neste momento em que se lançam tantas dúvidas e se revelam expressivos câmbios em demonstrações de lucros e perdas de empresas?


Porque antes não ocorreu a evidência de tais transformações? Seriam as mesmas adequadas? Verdadeiras? Ou estariam apoiadas no modelo que se está impondo às grandes empresas e que as modifica de forma subjetiva?


A lei 11.638/07 determina que se siga o que denominou “convergência”, ampliando o artigo 177 da Lei 6404/76, ou seja:



§ 5º As normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários a que se refere o § 3o deste artigo deverão ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários. (o grifo é meu)


A CVM ficou, pois, por força de lei obrigada a expedir normas contábeis subordinadas aos padrões dos principais mercados de valores mobiliários.


Na prática, em “stricto sensu” isso significaria adotar o que determina uma entidade particular sediada na Inglaterra e que se intitula a IASB - International Accounting Standard Board, mesmo passando por cima de todo um sistema legislativo nacional?


A aludida Lei 11.638/07, ampliando o mesmo artigo 177 da Lei 6404/76, estabeleceu:



§ 7º Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis, nos termos do § 2o deste artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários. (o grifo é meu)


Seguindo as normas referidas, pois, por lei o Estado deixa de ter o poder de tributar os ajustes que possam existir quando feitos em decorrência de padrões alienígenas eleitos.


Portanto, pela letra da 11.638/07 a entidade particular normativa IASB - International Accounting Standard Board passaria a ter a regência sobre o que se ajusta contabilmente, com respaldo legal e plena garantia de imunidade tributária.


Sem maiores detalhes a Norma egressa do exterior passaria a ser absoluta para determinar mudanças sem efeitos tributários?


Ocorre que a aludida International Accounting Standard Board, ao ditar os seus conceitos normativos básicos estabelece no Prefácio dos mesmos ( denominado IFRS):



“As demonstrações contábeis são preparadas e apresentadas para usuários externos em geral, tendo em vista suas finalidades distintas e necessidades diversas. Governos, órgãos reguladores ou autoridades fiscais, por exemplo, podem especificamente determinar exigências para atender a seus próprios fins. Essas exigências, no entanto, não devem afetar as demonstrações contábeis preparadas segundo esta Estrutura Conceitual.” (o grifo é meu)


Ostensivo, pois, está, pelo texto hialino, que as Normas denominadas como “internacionais”, egressas de entidade particular sediada na Inglaterra, não aceitam interferência do Poder Público, do fisco especialmente, colocando-se acima do próprio governo da Nação.


Como pela lei 11.638/07 ficou expresso que a CVM seguisse tais normas, estas que não se comprometem com a lei, seria possível deduzir preliminarmente que se transferiu soberania tributária a uma entidade particular sediada no exterior, uma vez que a lei não tem palavras inúteis?


Como as finanças públicas dependem da arrecadação e esta do efeito contábil, não é de duvidar-se que uma economia possa afetar-se em razão de tais eventos?


Tal fato lança, pois, a grave interrogação: teria o Brasil perdido a plena soberania tributária em favor de uma instituição privada não nacional?


Estar-se-ia compelido a cumprir algo que por base declara ostensivamente que está acima da própria lei? Castrou-se o poder pleno de tributar? Ensejou-se vistas grossas a maquilagem de lucros e de perdas?


Como ficaria a Receita Federal perante os “ajustes” a valor de mercado, este que é manipulável pela mídia, esta que pode ser influenciada pelas empresas clientes que se interessam pela especulação?


Teria realmente a Receita Federal perdido parte de sua força perante o simples confronto entre a Lei 11.638/07 e o que dispõe as Normas (IRFS)?


É admissível que a Medida Provisória 449/08, em redação final, no Capitulo III, sobre o denominado “Regime de Transição”, tenha confirmado tal impacto?


Estabelece a redação final aprovada:



Art. 15. Fica instituído o Regime Tributário de Transição – RTT de apuração do lucro real, que trata dos ajustes tributários decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei.



§ 1º O RTT vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária.



Art. 23. A fim de preservar a neutralidade tributária prevista no § 1º do art. 15 desta Lei, os métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, relativos às contrapartidas de aumentos ou diminuições de valores atribuídos a elementos do ativo e do passivo, em decorrência de sua avaliação a valor justo ou a valor presente, não produzirão efeitos para fins de imposto de renda, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS e da Contribuição para o PIS/Pasep. (o grifo é meu)


Estaria claro ser o Regime (RTT) adstrito ao estabelecido pela Lei 11.638/07 (só para sociedades por ações e de grande porte porque tal lei a isto se limita) e que a imunidade poderia não ser definitiva? Isso em razão do expresso pelo texto legal, embora, de efeito indefinido ficaria mesmo indefinido? A questão poderá vir a ser de futuro objeto de uma nova lei que venha a regular a neutralidade tributária? O fato estaria apenas no condicional ou não?


Teria o evento o mesmo destino de muitas coisas que neste País foram editadas em leis como provisórias e se perpetuaram?


Apesar, portanto, da transformação da MP 449 em lei, a conservar-se o que foi aprovado, a questão continuaria a inspirar cuidados no tangente à referida “soberania” dificultando as relações entre empresas e a Receita Federal?


Não será deveras preocupante ver que a MP-449 já em última redação venha homologar a prevalência de entidade privada sobre a do poder do Estado, simplesmente para atender a um segmento econômico que é o da especulação bursátil?

Tais questionamentos são aqui lançados como razões de reflexões nessa hora de interrogações evocando a necessidade do exercício do dever ético, cívico e profissional.

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