sexta-feira, 3 de julho de 2009

O SILÊNCIO CONTÁBIL

Marcelo Henrique da Silva – Julho/2009

Resolvi contabilizar o silêncio. Isso mesmo, o silêncio. Não qualquer um, mas o meu silêncio. O meu silêncio!

Não, não se espantem. Pensem. Respostas não há; dúvidas, muitas.

Este, o silêncio, sabe-se, é um patrimônio. Inclusive possui cotação de mercado, é valorável.

Paga-se pelo silêncio. Vende-se o silêncio. O silêncio é negociável.

Em alguns locais, lugares, o silêncio vale mais que em outros; dependendo do silêncio o valor ganha proporções inimagináveis (v.g. Senado Federal, nos dias atuais).

O silêncio preserva, destrói, muda, cria, recria.

O silêncio é patrimônio. Possui valor. É contabilizável.

Na Constituição Federal o silêncio constitui um direito fundamental, intocável e inalienável. Temos o direito de permanecer em silêncio (calado), de se recusar a responder perguntas. Temos direito, pelo silêncio, de não produzir provas contra nós mesmos.

Nesta mesma Carta, temos que o silêncio pode ser um introdutor de leis no Direito Positivo. Um projeto de lei votado no Congresso Nacional e enviado a sansão presidencial, decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sua sanção automática.

O silêncio é amplamente regulado pelo direito. No campo das sociedades, o Código Civil estabelece que no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade.

A Lei das S/A também utiliza a regra do silêncio, ao decretar que no silêncio do estatuto e inexistindo deliberação do Conselho de Administração, competirão a qualquer diretor a representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular.

No regimento interno do Senado Federal consta que é permitido a qualquer pessoa assistir às sessões públicas, do lugar que lhe for reservado, desde que se encontre desarmada e se conserve em silêncio.

O silêncio cria o direito. O direito regula o silêncio.

Há silêncio nas leis, as (mal compreendidas) lacunas da lei.

O direito regula o silêncio quando trata dos crimes de concorrência desleal, ao prescrever que comete crime de concorrência desleal quem divulga (quebra o silêncio) sem autorização, informações ou dados confidenciais.

A quebra do silêncio pode gerar indenizações; a manutenção do silêncio pode ser adquirida, e legalmente, numa espécie de limitação da concorrência, um silêncio pra deixar de divulgar, deixar de fazer.

O silêncio é patrimônio. Regula e é regulado pelo direito.

Há outros silêncios. Lya Luft escreveu sobre o Silêncio dos Amantes; o filósofo alemão Nietszhe, nos seus Discursos de Zaratustra, descreve que após um sono, ao abriu os olhos, “olhou para o meio do bosque e do silêncio”. O meio do silêncio!

Augusto Cury propõe um silêncio filosófico, esclarecendo que a oração dos sábios é o silêncio.

Rubem Alves nos brinda com uma experiência sobre a Liturgia do Silêncio. Um silêncio que alimenta e que tem gosto bom!

Não basta o silêncio de fora. É preciso o silêncio dentro. Quando se faz silêncio dentro, aí sim, começamos a ouvir coisas que não ouvíamos.

Eu comecei a ouvir.

O meu silêncio é patrimônio do ser e do dever-ser, é natural e é regulado pelo direito.

Tenho o direito de permanecer em silêncio, um ativo. Posso aliená-lo, assumo uma dívida de permanecer em silêncio, um passivo.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto os Ministros das Palavras Contábeis impõe a todos a pseudo-obrigação de adoção do padrão contábil específico da Lei 11.638 a todas as empresas brasileiras. Mesmo que esta, a imposição, decorra de uma construção normativista nos moldes dos castelos de cartas de baralhos, com informação unidimensional. Não se sustentam ao primeiro sopro de luz (sopro de luz!?).

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto esses Ministros impõem a teoria do medo a analfabetos funcionais. Os primeiros, convictos, estabelecem que a indisciplina ao padrão contábil específico da Lei 11.638 será punida com multa pelos delegados, cabendo o ônus ao contador, ou àquele que se insurgiu. Os outros (os segundos), profissionais da contabilidade, mas analfabetos funcionais no que se refere ao universo jurídico das normas jurídicas (sabem ler o texto, mas não compreendem o contexto), são presas por demais fáceis para o poder das palavras dos Ministros e de seus patrocínios.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto leio, no endereço www.cfc.fipecafi.org, sobre dúvidas da Lei 11.638 e que este padrão contábil específico “não” se aplica às cooperativas, às optantes pelo Simples Nacional, às tributadas pelo lucro presumido e arbitrado.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto vejo o IASB debruçado em projetos para normatizar o padrão contábil das sociedades não obrigadas a adotar o padrão das S/A e das Grandes Empresas, “o que por si só demonstra que as atuais normas destinam-se à grandes corporações, tendo inclusive uma diretoria exclusiva para tal segmento” (no IASB).

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto os parlamentares que acompanharam o projeto de lei que redundou na Lei 11.638 afirmam que este, o projeto, buscou conferir maior proteção aos “acionistas minoritários”, com vistas a atrair entrada de novos recursos e permitir o desenvolvimento seguro do “mercado de capitais”.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto o art. 3º da Lei 11.638 manda aplicar aquele padrão contábil específico apenas às S/A e Grandes Empresas. Nessa os Ministros me acompanham, também ficam em silêncio.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto os Ministros defendem um único padrão contábil brasileiro, mas não explicam qual o padrão contábil das entidades sem fins lucrativas, dos órgãos e entidades públicas, ...

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto o Poder Judiciário impõe derrotas e mais derrotas aos normativistas da contabilidade, aos construtores de castelos.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto os tribunais decretam que as Resoluções dos Conselhos são atos inferiores a lei, não podendo contrariá-la, restringi-la ou ampliá-la, uma vez que o ordenamento jurídico pátrio não permite que atos normativos infralegais inovem originalmente o sistema jurídico.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto os tribunais decretam que os livros, demonstrações e documentos contábeis pertencem a empresa, não ao contador, e não podem ser fiscalizados ou requeridos por Conselhos.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto as normas jurídicas decretam que os profissionais da contabilidade não podem fornecer a quem quer que seja, exceto a própria empresa e a autoridades tributárias, os livros, demonstrações e documentos contábeis pertencentes à empresa.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto o Guardião da Constituição, refiro-me ao STF, confirma que os escritórios de contabilidade possuem garantia da inviolabilidade domiciliar, não se admitindo a quem quer que seja a apreensão de livros contábeis e documentos fiscais sem mandato judicial.

Tenho o direito de permanecer em silêncio enquanto leio sobre ética contábil, com texto escrito em softwares piratas (ou softwares não contabilizados); enquanto vejo opiniões, laudos e auditorias patrocinadas.

Tenho um direito, o de permanecer em silêncio (calado).

Vou contabilizá-lo no meu patrimônio, no ativo. Um direito.

Permaneço em silêncio.

Um dia, quem sabe, a gente se encontra, e, no silêncio, abro minhas portas para o mundo.

Quem sabe ouço os conselhos contidos na música Pai, de Fábio Jr: ...eu não faço questão de ser tudo, só não quero e não vou ficar “mudo”...

Claro, desde que não seja submetido a um silêncio obsequioso, o mesmo imposto a Leonard Boff.


Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.

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