Antônio Lopes de Sá
Tem sido tema discutido na imprensa, judiciário, universidades, entidades de classe, mercado financeiro e até em parlamentos o que vem a ser efetivamente “realidade” a respeito de: capital, investimento, gastos, expectativa de lucros, maior valia de negócio, avaliações, ajustes, em suma, vários aspectos relativos ao patrimônio e as pertinentes transformações.
A interpretação da verdade é tema antigo; Galileu Galilei, reformulando as concepções aristotélicas, delimitou a questão ao que denominou como “qualidades primárias”, ou seja, a um “objetivo”; Grosseteste e Roger Bacon complementaram a confirmação experimental e a visão cientifica da “realidade” passou daí por diante a ser entendida como aquilo que sendo a essência é incontestavelmente comprovável pela verificação.
Esse o entendimento que os pais da ciência contábil igualmente aceitaram desde o século XIX, como tão bem situaram Giuseppe Cerboni em sua monumental “Ragioneria Scientífica”, Fábio Besta em “La Ragioneria”, Gino Zappa em “Il reddito di impresa” e Vincenzo Masi em “Filosofia della Ragioneria”.
Não há dúvida sobre a importância da realidade contábil; o que merece restrição é a forma imposta para produzir a informação da mesma através de normas; polemiza-se sobre o bem ou o mal que isso envolve; discordo de que as normas, tais como se encontram, possam qualificar-se como completamente boas e de os que os erros são derivados de quem as usa; o mal está nos próprios e vários defeitos técnicos da normatização, e, essa minha opinião é, também, a de ilustres e insofismáveis autoridades intelectuais.
A relevância da matéria mencionada transcendeu ao simples hermetismo das empresas e entidades, motivando hoje impacto econômico e social em todo o mundo.
A velocidade, amplitude e modalidades com que se transmitem tais dados criaram grandes facilidades, mas, também, equivalentes dificuldades; não se torna mais possível ocultar pertinentes males, mas, também, pela força da mídia outros grandes se criam pela manipulação da realidade; o mercado tornou-se cativo dos que comandam a transmissão de informes; a confusão criada pelos processos alternativos gerou indefinições, alimentou riscos e foi usada para fins especulativos (esse o cenário que sido evidenciado em jornais e revistas e aos quais adiante individuarei).
Um bívio se torna evidente: “instrumentalismo” ou “cientificismo” - o que melhor convém ao campo contábil? Qual o limite do instrumental? Que riscos ocorrem quando se normatiza sem o amparo da ciência? Será útil aceitar como realidade o que provem de normas impostas (instrumentalismo dirigido) ou o certo será buscar pelo caminho da ciência o que é verdadeiro (cientificismo dimanado da cultura doutrinária)?
O 10º Congresso Internacional de Contabilidade do Mundo Latino deu mostras evidentes de como a comunidade profissional e universitária está preocupada com a questão, não só no Brasil, mas, igualmente em outros países; o rumo que tomou a questão cultural demanda ingente esforço em torno da definição de prioridades em momento em que de forma pejorativa se tem colocado a posição dos contadores.
Muitos são os pronunciamentos de personalidades de expressão que condenam a atual índole normativa contábil; o de Krugman, prêmio Nobel de Economia de 2008, em comentário no New York Times em Outubro de 2009, foi deveras pesado ao denominar como “Fabula dos Contadores” os resultados mostrados nos balanços, ao sabor do que o FASB nos Estados Unidos determina.
Tão contundente quanto o depoimento de Krugman e equivalentemente importante foi o de De Castris, um dos mais conceituados e experientes administradores franceses, ao afirmar que recusava a aceitar o “Valor Justo” criado pelo IASB (Financial Times de Paris em 30/09/2009).
Não menos incisiva foi a manifestação da Ministra das Finanças da França, Cristina Lagarde, em relação ao IASB, afirmando que se esse não mudasse as regras ela o faria em relação ao seu País (Times de Paris em 30/09/2009).
Em 12 de novembro de 2009 o conceituado jornal “The Economist” pejorativamente imputava ao IASB a posição de órgão político (logo - não técnico e muito menos científico); em 1º de junho de 2009 Borson, pela Internet, informou que o IASB estava sendo influenciado, submisso aos comandos de transnacionais (logo, insinuando ação política individualizada, mas coerente com o que no Senado dos Estados Unidos já havia há anos afirmado em um relatório sobre o conluio de entidades de classe com as transnacionais, seguindo a interesses particulares de especuladores).
As investidas pesadas contra o movimento normativo contábil, na forma que estiveram e estão sendo feitas, são deveras preocupantes (não concordo com algumas que apelam para uma crítica “lato sensu”); ensejam reconhecer que a questão esteja a merecer substancial reparação.
O comentário do CFO de New York, de 24 de novembro de 2009, inquirindo em manchete se o normatizado pelo IASB era “Médico ou Monstro” é bem a inferência de um estado desconfortável à matéria contábil, esta que ficou colocada em destacada dúvida.
Entendo que a classe dos contadores estará cedendo espaço a uma injusta depreciação à categoria se não empreender movimento no sentido de justificar a qualidade de sua posição; imprescindível é evidenciar e agir para que se torne publica a evidenciação do rico e valioso poder possuído em matéria científica, mostrando à sociedade ser equivocado confundir discutível “instrumentalismo especulativo de grupo” com o “valoroso cientificismo” que tem toda uma vasta história, construída por intelectuais de insofismável cultura.
A realidade do conhecimento contábil está deformada nos textos das que se denominaram “normas internacionais”, quer por falta de apoio na ciência, quer por submissão a um modelo que se comprovou incompetente por não proteger inúmeros investidores na atual crise mundial (como tem sido comentado pela imprensa).
Enquanto se apregoam maravilhas sobre as normas em alguns periódicos que circulam no Brasil, a imprensa mundial, através de outros de tradicional crédito como “Le Monde” (França), “New York Times” (Estados Unidos), “Corriere della Sera” (Itália), “El País” (Espanha), “Diário de Noticias” (Portugal), mostram dados preocupantes sobre a crise financeira; comentam frequentemente a respeito do grande calote nas Bolsas e perante o mercado, esse que não foi impedido pelas “normas denominadas como internacionais”, agora obrigatórias no Brasil para as sociedades abertas e de grande porte, sob a evocação de “convergência”.
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