sexta-feira, 6 de agosto de 2010

AGORA É LEI, AS NORMAS DE CONTABILIDADE EDITADAS PELO CONSELHO SÃO ILEGAIS

AGORA É LEI, AS NORMAS DE CONTABILIDADE EDITADAS PELO CONSELHO SÃO ILEGAIS

*Marcelo Henrique da Silva – Agosto/2010

O advento da Lei 12.249, com a nova configuração que instituiu atribuições ao Conselho Contábil, não poderia deixar de repercutir na classe contábil, deixando marcas sensíveis e específicas.

Como bem adverte o Prof. Paulo de Barros Carvalho, o direito incide sobre o campo dos comportamentos intersubjetivos, mas para tanto, qualifica pessoas, situações e coisas. Às vezes, discreta mutação na ordem das qualificações será o bastante para alterar institutos e regimes jurídicos que se mantiveram estáveis por muitos anos. E, com isso, o direito vai avançando em clima de completabilidade. Não de completude, como já se pretendeu, mas operando de tal maneira que permaneça em estado de aptidão para responder, com norma, às circunstâncias da vida social que lhe interessa absorver, utilizando seu invariável e peculiar instrumento de regulação das condutas inter-humanas, isto é, permitindo, obrigando e proibindo.

Quando se fala em incidência jurídica estamos pressupondo a linguagem do direito positivo projetando-se sobre o campo material das condutas intersubjetivas, para organizá-las deonticamente, modalizada com um dos operadores deônticos: obrigatório, proibido ou permitido.

Com efeito, a partir da Lei 12.249, com a modificação do art. 6º do DL 9.295, é atribuição (permitido) do Conselho Federal de Contabilidade editar normas brasileiras de contabilidade, dentre outros elementos.

Penso oportuno as lições de Miguel Reale, para quem é na essência e na vida mesma do direito positivo que, antes de mais nada, nos cabe penetrar, recolocando-o no meio do mundo social, do qual ele é um elemento integrante, para estudá-lo em função das forças intelectuais e morais da humanidade, que, somente elas, lhe podem dar real valor.

Entrecruzam-se, de certa forma, as lições de Carvalho e Reale na materialidade da Lei 12.249, pois é necessário refletir sobre a norma jurídica positiva, penetrando em seus elementos, anotando a discreta mutação na ordem das qualificações, suficiente para alterar práticas naturais (costumes!) que se mantiveram estáveis por muitos anos.

Se é certo que a Lei 12.249 permite "agora" ao Conselho Contábil editar normas brasileiras de contabilidade, é óbvio que este não as possuía; se já possuía a competência, a Lei 12.249 seria, então, inútil, contendo palavras imprestáveis, descartáveis.

Quem assume a posição unidimensional de que a Conselho Contábil já possuía a competência para editar normas contábeis, assume, obrigatoriamente, a defesa da ilegalidade da Lei 12.249, pois conceder aquilo que já se possui é redundância inaceitável; é ilógico.

Há, com efeito, duas perspectivas do valor jurídico em análise, uma unidimensional e outra pelo método do círculo hermenêutico. Na primeira estamos cegos para outras dimensões da realidade, estamos diante apenas do e pelo poder, da teoria do medo; na hipótese seguinte, no círculo hermenêutico, o movimento da compreensão vai constantemente do todo à parte e desta ao todo. A tarefa é ampliar a unidade do sentido compreendido em círculos concêntricos. O critério correspondente para a correção da compreensão é sempre a concordância de cada particularidade com o todo.

A compreensão disso tudo só se obtém por meio da liberdade de pensamento, ampliando horizontes, e o conseqüente alargamento do campo de visão no qual o objeto de estudo é percebido.

Ora, a Lei 12.249 só atribuiu ao Conselho Federal de Contabilidade a competência para editar normas brasileiras de contabilidade porque este não a possuía; isso é juridicamente óbvio!

A grande relevância de entrever essa distinção aparece quando se pretende perguntar: as normas brasileiras de contabilidade editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade antes da permissão contida na Lei 12.249 são legais? E a resposta é esta: absolutamente, não.

Muito bem. Na hierarquia do direito posto as normas brasileiras de contabilidade editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade até a vigência da Lei 12.249 regulam apenas práticas morais, sendo incapazes de regular juridicamente uma conduta. São, portanto, incapazes de regular o dever-ser.

Quando se fala em conduta jurídica é necessário advertir que as normas brasileiras de contabilidade editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade até a vigência da Lei 12.249 não tem a capacidade de regulação das condutas inter-humanas, isto é, não são capazes de permitir, obrigar ou proibir, nada a ninguém.

Nada de extraordinário há nessa constatação; mas no fundo é preciso que sejam mantidas as instituições como sempre a vimos – as colunas da casa dos sábios contábeis não podem ser ameaçadas, e aí busca-se no art. 36 do DL 9.295 a força normativa (sic) necessária para validar as normas brasileiras de contabilidade editadas até agora. É preciso não desestabilizar a fonte!

Ora, o leigo, o leitor incauto, o sobrinho, ou aquele intérprete aferrado ao ligeiro e superficial exame da tessitura gráfica dos textos jurídicos, ficará atônito diante de algo que jamais imaginara: a modificação do art. 6º do DL 9.295 pela Lei 12.249 é o reconhecimento jurídico de que o art. 36 deste DL não era campo material das condutas intersubjetivas no que se refere a normas brasileiras de contabilidade.

E assim, apesar da reiterada pretensão de se proibir ou dificultar o desenvolvimento do debate em torno da questão, o pensamento e a consciência profissional livre continuam a avançar na busca da compreensão razoável do melhor modo de se conceber o significado dos valores jurídicos que disciplinam a matéria contábil.

Konrad Hesse nos fala sobre uma "vontade de Constituição", onde, em três vertentes, evidencia a necessidade de proteção do individuo contra o arbítrio desmedido e disforme, a necessidade de que a ordem jurídica seja constante processo de legitimação, e a necessidade de que ordem jurídica seja eficaz com o concurso da vontade humana.

A força que constitui a essência da classe contábil reside, então, naquilo que podemos chamar de "vontade de contabilidade", impulsionando-a, conduzindo-a e transformando-a, assim, pela força ativa da ordem jurídica legítima, e legitimada constantemente pela vontade humana; resultante de uma força individual e coletiva de uma classe contábil livre, não acorrentada. Contra-a-corrente!

Isso tudo, se permitirem!


Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.

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