quarta-feira, 8 de setembro de 2010

IGNORÃÇAS CONTÁBEIS

Marcelo Henrique da Silva
Setembro/2010
Em seu "silêncio eloqüente" Marcílio Toscano Franca Filho nos apresenta que durante muito tempo e em muitas civilizações, o jurisconsulto foi o poeta e o poeta, o único jurisconsulto. Direito e poesia gozaram sempre de grande intimidade por séculos. As leis de Ísis eram escritas em versos; eram em versos também as leis de Esparta, e o atinenses costumavam cantar as suas normas em forma de longos poemas para fixá-las.

Lembrei-me, então, do alquimista do verbo, o poeta Manoel de Barros, que, afim de concertar suas ignorãças, escreveu assim: "O rio que fazia volta atrás de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia volta atrás de casa. Passou um homem depois e disse: Essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada. Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás de casa. Era uma enseada. Acho que o nome empobreceu a imagem".

Pois veja, nas sendas jurídicas a importância de uma coisa não se mede apenas na rica oratória dos seus grandes tribunos, doutores, mas também no encantamento que a coisa produz em nós.

Foi em busca desse encantamento que a imagem da cobra de vidro se entrelaçou com a contabilidade; nobremente, diga-se.

O fenômeno contábil entra em cena na seguinte estória, então: "O contador de contabilidade encerrou os livros e emitiu as demonstrações contábeis. Um doutor formado na casa dos sábios contábeis, capitaneado pelo delegado e tio-padrinho da capital, em seu trejeito de andar de pomba-rolinha, disse, ao ver as demonstrações contábeis, que se tratava de demonstrações contábeis internacionais e padronizadas. Não era mais a minha contabilidade. Era uma contabilidade internacional, padronizada. O nome empobreceu minha imagem da contabilidade".

Como diria o poeta, há um desagero em mim de aceitar essas medidas padronizadas, acorrentadas; há em mim um desagero em aceitar opiniões chapa-branca, apadrinhadas. Não sei se isso é um defeito do olho ou da razão. Talvez dos dois...

A importância da contabilidade não se mede com fita-padrão nem com balanço-padrão nem com opinião-padrão; a importância se mede pelo encantamento que ela produz em nós.

Amparado no elemento próprio e unidimensional o doutor dos saberes contábeis nos entrega nossa caixa, determinada e montada; construída num tamanho único, padrão, sem espaço para liberdade; formatada.
Padronizada...

"Eu não sei nada sobre as grandes coisas do mundo, mas sobre as pequenas sei menos", disse Manoel de Barros.
Eu, contador, não sei nada sobre as grandes coisas contábeis do mundo, mas sobre as pequenas sei menos, agora.
O nome empobreceu minha imagem da contabilidade.

Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.

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