Assiste-se, em particular desde os anos 60 do século passado a esta parte, a uma cada vez maior necessidade de harmonização internacional pela via regulatória em todos os níveis e esferas. Entre os factores de motivação comummente apontados na condução de tais processos referem-se habitualmente o aumento da comparabilidade que tais processos permitem, exigido à força do processo contínuo de globalização e eliminação de fronteiras internacionais, e, ainda mais discutível, pela crença de que uma estandardização de procedimentos diminuem significativamente os riscos associados às transacções em causa. O sector bancário não figura aqui como excepção.
Deste modo, e justificado pelo bem da promoção de uma maior estabilidade do sistema bancário internacional, assente na harmonização dos critérios subjacentes à análise dos factores componentes do risco, veio à tona, em 1988, o documento intitulado Basel Capital Accord [1], mais conhecido como Basileia I.
Anos mais tarde, as mudanças vividas nos mercados, a par do desenvolvimento de novos métodos de identificação, avaliação e gestão de riscos não contidos naquele documento – e algumas falências pelo meio – acrescentaram novos motivos para a sua revisão. Nesse mesmo sentido, vimos o Basel Committe on Banking Supervision (2001) reconhecer que: “O negócio da banca, as novas práticas de gestão de riscos, as novas abordagens de supervisão, e os mercados financeiros têm sofrido desde então uma significativa transformação.”[2] Várias alterações foram então sucessivamente incorporadas, de modo a tornar o Basileia I mais adequado às contingências entretanto verificadas.
Assim, já em 1996, ao risco de crédito juntou-se o risco de mercado e, posteriormente, a estrutura do acordo passou a assentar em três pilares ditos fundamentais. No entanto, a continuidade das perdas financeiras na actividade bancária terá justificado uma revisão ainda mais profunda.
Por fim, em Junho de 2004 nasce aquela que será a versão final do novo acordo, o “Basel II: International Convergence of capital Measurement and Capital Standards: a Revised Framework”, doravante designado Basileia II. Além da incorporação num único documento de todas as alterações ocorridas, a grande novidade desta revisão terá sido, indubitavelmente, a inclusão em sua estrutura do risco operacional. Dentre os aspectos contidos nesta última componente do risco, encontramos grande parte dos elementos relacionados com o rating empresarial, como factor determinante à concessão de financiamentos pelas entidades bancárias obrigadas ao seu exame.
Portanto, para afirmarmos a possibilidade de harmonização total dos procedimentos que operam no sentido do desagravamento do risco, aqui entendido no sentido lato, duas fontes teriam de actuar em conformidade. Tal não acontece.
Uma primeira revela-se na forma de avaliação dos vários riscos imposta aos bancos pelo Basileia II, baseada em critérios sobretudo objectivos. Desde logo pela existência de avaliações subjectivas, ditas qualitativas, permitida em larga escala naquele documento. Ademais, a opção por diferentes abordagens conduz ao menor “consumo” de capital – que actua como função de garantia, de acordo com o estipulado naquele documento – e consequentemente efeito de menor relevo sobre o rácio de solvabilidade que relaciona esta componente patrimonial com os activos ponderados pelo risco. Daí que não se possa avaliar, inquestionavelmente, os benefícios da introdução do risco operacional no cálculo do rácio de solvabilidade. Mais, o segundo pilar previsto na estrutura do Basileia II resulta predominantemente de determinações a cargo dos supervisores nacionais, criando maiores incertezas – ao contrário do que alegam – nas transacções que envolvam diferentes países.
Sobre a segunda já temos feito correr alguma tinta, e prende-se com a problemática da difusão das normas internacionais de Contabilidade emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB), cuja conquista mais recente terá sido o território brasileiro – “editada no apagar das luzes de 2007”, nas palavras do Prof. Lopes de Sá, e por força da recentemente promulgada Lei nº 11.638, de 28 de Dezembro, que altera, revoga e introduz novos dispositivos à Lei das Sociedades por Acções. A existência “pacífica” de métodos alternativos de contabilização contidos em muitos daqueles documentos conduz indubitavelmente a diferentes imagens possíveis de uma mesma (e única) realidade patrimonial. Ora, e como sabemos, é sobretudo a partir das demonstrações e outros informes extraídos da Contabilidade que as entidades bancárias retiram as informações que suportam – através de rácios e outros indicadores, de cujo estudo a análise económico-financeira para este efeito não prescinde – uma prudente avaliação do risco económico, em conformidade com as exigências explicitamente contidas no Basileia II.
Nestas e noutras áreas já deveríamos ter aprendido que, ao menos de per si, a existência de regulamentos não actuam como um seguro contra todos os riscos; por trás das mentes que os publicam estão outras (ou as mesmas) que, precisando, logo descobrem as suas deficiências.
Notas
[1] Trata-se de um documento emitido pelo Basel Committe on Banking Supervision, organismo constituído em 1974 e ligado ao Bank for International Settlements. Seu objectivo prende-se fundamentalmente com o reforço da qualidade de supervisão bancária a nível mundial. Os membros da comissão são provenientes da Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Luxemburgo, Países Baixos, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos. Tais países encontram-se ali representados pelos respectivos bancos centrais ou por outras entidades responsáveis pela supervisão das entidades bancárias, nos países onde aqueles não actuam nessa qualidade.
[2] Tradução livre.
Referências Bibliográficas
Basel Committee on Banking Supervision. (1988). International convergence of capital measurement and capital standards. Bank for International Settlements, Basel.
Basel Committee on Banking Supervision (1999). “Capital requirements and bank behavior: The impact of the Basel Accord”. Working paper #1. Bank for International Settlements, Basel.
Blum, J. (1999). Do capital adequacy requirements reduce risks in banking?, Journal of Banking and Finance. 23, 755-771.
Ribeiro, M. (2005). Basileia II e requisitos de capital. Revista de Contabilidade e Finanças. 83.
Sá, A. (2008). Nova lei desrespeita princípio contábil. Disponível em http://www.lopesdesa.com.br. Último acesso em 09 de Março de 2008.
Wagster, J.D. (1996). Impact of the 1988 Basel accord on international banks. Journal of Finance. 51, 1321-1346.
O Autor: Fábio Henrique Ferreira de Albuquerque: Bacharel em Contabilidade e Administração e Licenciado em Contabilidade pelo ISCAL (Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa); Mestrando em Auditoria pelo mesmo Instituto; Graduando em Ciências Contábeis pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco); Inscrito na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas em Portugal, sob o nº 84659; Membro da ACIN – Associação Científica Internacional Neopatrimonialista.
Artigo também disponível em: http://www.netlegis.com.br/index.jsp?arquivo=detalhesArtigosPublicados.jsp&cod2=1312 e http://www.classecontabil.com.br/servlet_art.php?id=1545
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