quarta-feira, 26 de março de 2008

Relatividade do Regime de Competência

Antônio Lopes de Sá

O entendimento sobre a validade dos regimes depende da perfeita compreensão sobre os conceitos em que se assentam.

Portanto, a razão de ser dos procedimentos contábeis só pode ser bem interpretada a partir da análise da essência dos acontecimentos, do que realmente de forma racional pelos mesmos se deve entender.

Considerando-se que a colimação dos fins de um empreendimento implica ocorrências que necessitam de definições para justificarem o tratamento que se possa dar ao regime de informação, impraticável é assimilar a utilidade deste sem entender aqueles.

No caso do regime denominado de “Competência” é preciso ter em mente que o despendido para manter a atividade empresarial quer de produção, quer para a consecução das finalidades diversas, implica afetação nos resultados, e, estes, diminuição do capital.

Como a variação patrimonial é uma decorrência é preciso analisar as causas para que tal efeito seja bem compreendido.

Todo empreendimento tem a sua operação nuclear ou de natureza e aquelas que a apóiam; há uma atividade central e as acessórias.

Não basta a uma empresa agrícola plantar e colher, sendo necessário a administrar, ferir as finanças, cumprir deveres perante o Estado etc.

Há, pois, o que representa a parte “Técnica” e aquela “Complementar”.

Sob o aspecto conceitual denominam-se, pois, “Custos Técnicos” os que são nucleares ou relativos aos gastos efetivados na produção de bens e serviços e “Custos Complementares”, os relativos ao apoio e que são todos os demais.

Também se tem usado referir simplesmente a “Custos” para designar os “Técnicos” e atribuir a denominação “Despesas” para se referir aos “Complementares”.

A variação do capital, todavia, na prática se dá com efeitos concomitantes, ou seja, face à ocorrência de “dispêndios”, mas, também, de “recuperação” dos mesmos.

Quando ocorre a “recuperação” do que se gastou tem-se a Receita; a Receita por Vendas de Produtos e Serviços, por coerência denomina-se “Receita Técnica” e as demais “Receitas Complementares”; também se têm denominado “Receitas Operacionais” e “Receitas Não-Operacionais” (ou “Extraordinárias”) a tais fatos.

Tudo tem dependido da opção dos que se utilizam dos termos, mas, essencial é o fluxo entre “Custos” e “Receitas” para a formação de um sistema específico que nas empresas visa como finalidade o lucro.

Gastos e Recuperações, ou seja, “Custos” e “Receitas” formam, pois, o “Sistema dos Resultados”, ou ainda, como em doutrina se conceitua: o “Sistema do Rédito”.

Tais fundamentos conceituais são necessários para que em relação ao tema se destaquem condições especiais de consideração contábil, ou ainda, sobre a forma de tratar a questão.

O estudo científico é sempre o de uma análise de relações, ou seja, de acontecimentos ou efeitos gerados por causas que se operam no tempo e no espaço, evidenciando qualidade e quantidade definida.

Em Contabilidade o mesmo se passa e é o respeito às condições referidas que quanto à “Custos” e “Receitas” subordina-se a consideração dos fatos a um “Princípio de Competência”.

Tal “macro-regra” fundamenta-se na lógica de que Custos e Receitas devem estar interligados estreitamente, ou ainda, se correlacionam diretamente, no “Tempo” em que ocorrem.

Ou seja: cada “Custo” gera uma “Receita” que lhe é correspondente, sendo, logo, “especifica” e dependente tal correlação, determinável em relação ao um período certo em que tal ciclo se completa.

Essa a razão filosófica contábil do Princípio da Competência.

O referido, todavia, não se confunde com o ciclo de “pagar” e “não pagar” o que se gastou ou o “receber” e “não receber” os valores das receitas pertinentes.

São coisas distintas como fatos patrimoniais os que se relacionam às “finanças” (Fluxo de Caixa) e ao “resultado operacional” (Fluxo do Rédito), ou seja: pagamentos e produções de bens para vendas são fatos peculiares; cada fluxo deve ser respeitado pela “função” que o caracteriza.
São sistemas patrimoniais de funções distintas o da “liquidez” e o da rentabilidade (resultabilidade), ou seja, o de solvência de compromissos financeiros e o de produção de resultados da produção da atividade.

São essas “funções distintas” as que consagram a autonomia do “Regime da Competência” e o distingue do simplesmente denominado “Regime de Caixa” ou baseado na consideração de fluxos de pagamentos e recebimentos em dinheiro.

Tal distinção já é encontrada nos mais remotos registros contábeis quando da era da sistematização operada na Idade Média e existem fortes indícios de que já era usada à época da Antiguidade Clássica (a inferir-se pela análise praticada na divisão dos livros de escrituração).

Não é, pois, uma “novidade” a adoção do “Regime de Competência”, mas, sim o reconhecimento de uma antiga prática defluente da necessidade de considerar cada Custo em correlação com a sua Receita pertinente, ligado pelo tempo de ocorrência.

Isso não significa, todavia, que de forma absoluta o resultado espelhado em obediência ao regime referido será fiel, pois, dependerá sempre da avaliação correta e da qualificação dos fatos.

A adoção do Regime de Competência não tem capacidade absoluta face a fidelidade do valor do Resultado Operacional, mas, é importante como critério que forma o complexo da determinação do rédito do exercício.

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Doutor em Ciências Contábeis pela Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1964. Administrador, Contador e Economista, Consultor, Professor, Cientista e Escritor. Vice Presidente da Academia Nacional de Economia, Prêmio Internacional de Literatura Cientifica, autor de mais de 170 livros e mais de 13.000 artigos editados, Vice-Presidente da Academia Brasileira de Ciências Contábeis-Vice-Presidente da Academia Nacional de Economia- Conselheiro Consultivo do Conselho Federal de Contabilidade- escritor com 180 volumes produzidos e mais de 13.000 artigos editados. Doutor em Letras, honoris causa, pela Samuel Benjamin Thomas University, de Londres, Inglaterra, 1999

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