Como falta tempo para pensar e tranqüilidade no pensar, as pessoas querem as respostas. Já! Prontas! Praticidade! Tempo! Resumo! Fast Food!
Neste caso, perdem as idéias escondidas nos silêncios que há entre as palavras.
O tema apresentado, felizmente, não comporta nenhuma resposta, que dirá algo pronta.
Creio ser importante situar a figura da Teoria do Medo no contexto do texto. Isto é muito importante... Então vamos!
A comunidade étnica dos Mandeanos, pouco conhecida entre nós, é um grupo gnóstico que sobreviveu em todo mundo, e chegou intocado ao século XXI. Durante dois milênios, eles mantiveram seus hábitos, suas cerimônias, seus textos, seu isolamento, sua religião. Os Mandeanos ocupam desde o primeiro século a divisa do Iraque com o Irã.
A invasão do Iraque pelos norte-americanos acirrou a guerra civil e os ódios internos, arremessando Sunitas contra Xiitas, o que, infelizmente, não poupou os Mandeanos. Estes grupos internos, no poder, convidam os Mandeanos a se converter ao Islã, a seu modo: ou aceitam o Islã ou morrem!
Em Bagdá, um panfleto dirigido aos Mandeanos continha a seguinte frase inicial: “Ou vocês abraçam o Islã e desfrutam conosco de segurança e coexistência, ou saem de vez de nossas terras. Do contrário, a espada será o juiz que distinguirá entre a fé e a blasfêmia”.
Os fragmentos acima apresentam aquilo que considero a Teoria do Medo, onde ou aceitam a minha verdade ou sentirão a força da minha espada, serão castigados sem piedade!
E o que tudo isso tem a ver com o Novo Padrão Contábil – NPC?
Nesse momento, tudo. Explico!
No universo contábil, mas numa escala insignificantemente menor, a Teoria do Medo começa a despontar. O aviso, em alguns casos é subliminar (mas que existe, ah! ele existe), noutros é explícito (impresso em papel nobre, em negrito), e corresponde à: “...ou aderem ao Novo Padrão Contábil – NPC ou serão multados [pelo Conselho de Contabilidade] ...”.
Na falta de argumentos, a espada, o castigo sem perdão! Ou aceitam e aplicam o NPC a todas as sociedades ou serão multados (lavaremos com sangue a honra)!
A verdade destes poucos (ou muitos?) é uma só, sendo o NPC obrigatório para todas as empresas (sic), a sua não aplicação implicaria em desobediência aos comandos normativos do Conselho de Contabilidade.
Mas afinal, quanto há de verdade verdadeira (o pleonasmo é intencional) neste incauto aviso?
Legalmente, nenhuma!
Mas o estrago feito é devastador, ao estilo do bombardeiro Enola Gay. A Teoria do Medo, indiscutivelmente, é eficaz. A bomba foi inteligente!
Ocorre que essa inteligência é unidimensional (ou seria umbigal?), não suporta uma análise do Poder Judiciário.
Explico, mas advirto que o NPC não é aplicável a todas as sociedades, para isso basta ver as opiniões balizadas dos ícones Lopes de Sá e Zappa Hoog (é só digitar no Google...).
O Código Civil Brasileiro, de 2002, prescreve em seu art. 1.190 que ressalvados os casos previstos em LEI, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em LEI.
Logo, os livros e demonstrações contábeis do empresário e da sociedade empresária só podem ser apresentados a terceiros quando houver previsão legal, anotando que Resolução não é LEI. Nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência a esses livros e demonstrações, exceção se autorizados por LEI.
Caso específico desta obrigação, de apresentar, é a prescrição contida no art. 1.193 daquele mesmo código, onde as autoridades fazendárias, no exercício da fiscalização do pagamento de impostos, podem requerer os tais livros e demonstrações.
Desta feita, a partir da leitura destes enunciados, são desacortinadas questões polêmicas, sobretudo de cunho fiscalizatório, que, como se verá, carece de estudo e aprofundamento doutrinário, servindo estas linhas como elemento revelador e impulsionador de subseqüentes incursões científicas a fim de enfrentar, melhor abalizar e, quiçá, unificar e pacificar o tema.
A primeira indagação, ainda não superada, os livros e demonstrações contábeis podem ser objeto de fiscalização por parte do Conselho de Contabilidade, para fins de verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em LEI?
Outro ponto, ainda não enfrentado, os livros e demonstrações contábeis do empresário ou da sociedade empresária devem ser fornecidos ao Conselho de Contabilidade pelo contador?
Questão de fundo, os livros e demonstrações contábeis do empresário ou da sociedade empresária não apresentados ao Conselho de Contabilidade geram multas-penalidades ao profissional contábil?
Impulsionando o tema, vale a advertência de Edgar Morin, onde o conhecimento unidimensional, se cega outras dimensões da realidade, pode causar cegueira. Em outras palavras, uma visão da contabilidade que observasse na contabilidade apenas as resoluções do Conselho de Contabilidade, por exemplo, seria unidimensional, esquecendo as normas gerais de direito.
Por certo, cada um destes temas comporta amplo exame, por envolver múltiplas facetas e ensejar distintas teorias. Nesta oportunidade, examinarei o que de mais relevante se apresenta.
De pronto vale destacar a decisão do TRF-1ª, ao confirmar que do Conselho de Contabilidade “as resoluções, como atos infralegais que são, não se prestam a impor comportamentos não disciplinado por lei, haja vista a função do ato administrativo restringir-se a complementar esta, de modo a permitir sua concreção”.
Vale anotar, as resoluções do Conselho de Contabilidade não podem impor comportamentos não previstos em LEI, em consonância com o comando constitucional vigente, onde ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de LEI.
A ação fiscalizadora do Conselho de Contabilidade tem supedâneo do art. 10 do Decreto-lei nº 9.295/46, que diz ser atribuição do Conselho de Contabilidade “fiscalizar o exercício das profissões de contador e guarda-livros, impedindo e punindo as infrações, e, bem assim, enviando às autoridades competentes minuciosos e documentados relatórios sobre fatos que apurarem, e cuja solução ou repressão não seja de sua alçada”.
Como se viu alhures, as resoluções do Conselho de Contabilidade não são normas legais capazes de impor obrigações de fazer ou deixar de fazer, a quem quer que seja, desde que não disciplinado por lei.
A questão, então, reside em saber até onde alcança o limite da competência do Conselho de Contabilidade, a quem compete efetuar o registro dos contabilistas e fiscalizar o exercício da profissão contábil.
Com a palavra o Poder Judiciário, a quem cabe, em última instância, dar efetividade às normas jurídicas.
O TRF-4ª decidiu que “inexiste amparo legal no Decreto-lei nº 9.295/46, que cria o Conselho Federal de Contabilidade, define as atribuições do Contador e do Guarda-livros, para obrigar o autor/fiscalizado a fornecer ao Conselho de Contabilidade rol de clientes para os quais presta serviços na área”.
É preciso anotar, o contador havia sido autuado pelo Conselho de Contabilidade por não apresentar relação de clientes para os quais presta serviços profissionais (sic).
Neste ponto, a resolução do Conselho de Contabilidade que impõe a obrigação de apresentação daquela relação é peremptoriamente ilegal, contraria a lei. Não vale, não pode impor nada a ninguém.
Mais adiante, decidiu o TRF-5ª que “a competência para o exame dos livros e documentação comerciais foge ao âmbito dos fiscais do Conselho Regional de Contabilidade”.
Veja que não foi negado o direito do Conselho de Contabilidade de fiscalizar. Ocorre que este não tem competência, segundo a decisão judicial, para requerer e verificar, de quem quer que seja (contador ou empresário), se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades contábeis prescritas em LEI.
O Código Civil Brasileiro regula a exibição dos livros e demonstrações contábeis, do empresário ou da sociedade empresária, somente nos casos previstos em LEI ou administrativamente para as autoridades fazendárias.
A exigência da apresentação de livros e demonstrações contábeis, substanciada em resolução do Conselho de Contabilidade, é terminantemente ilegal. Não vale num “estado democrático de direito” (art. 1º da CF/88).
Em suma, o Conselho de Contabilidade não pode exigir do contador, do empresário ou das sociedades empresárias a apresentação dos livros e demonstrações contábeis, para verificar se se observam, ou não as formalidades contábeis prescritas em LEI. Isso em respeito ao Princípio da Legalidade e da Segurança Jurídica, nada mais!
Fica evidente que a ação fiscalizadora do Conselho de Contabilidade, prescrita no Decreto-lei nº 9.295/46, restringe-se ao profissional contabilista, não alcançando o empresário ou a sociedade empresária; claro também que o Conselho de Contabilidade carece de competência para requer dos profissionais contabilistas os livros e demonstrações contábeis do empresário ou da sociedade empresária. Tudo isso decidido pelo Poder Judiciário.
Daí a conclusão nítida, e óbvia, de reconhecer que inexiste possibilidade de multa-penalidade aos profissionais da área contábil que não seguirem o solúvel Novo Padrão Contábil – NPC.
Não está se propondo uma anarquia contábil; nem mesmo limitando o louvável poder fiscalizatório do Conselho de Contabilidade. Está se suplicando, apenas, respeito às normas jurídicas (não confundir com Lei) de um país, no caso o Brasil!
O direito, sabemos, é um fenômeno complexo. Mas não há texto sem contexto, visto que a compreensão da mensagem pressupõe necessariamente uma série de associações que poderíamos referir como lingüística e extralingüística.
Por certo, estamos acostumados a fornecer livros e demonstrações contábeis ao Conselho de Contabilidade. Este costume, infelizmente, é a porta de entrada da Teoria do Medo.
Como bem advertiu George Lewes, este costume incessantemente repetido acaba se tornando convicção e ossificando os órgãos da inteligência.
Para os efeitos que pretendo, importa discernir o texto unidimensional das resoluções com o plano do conteúdo, do contexto das normas jurídicas.
Vale advertir, esse costume não é fonte de direito! O Conselho de Contabilidade não possui competência legal para requer dos profissionais da contabilidade, dos empresários ou das sociedades empresárias, os livros e demonstrações contábeis.
Quanto a literalidade das letras impressas num papel (mesmo que em papel nobre, m negrito), cuidado, o livro Bíblico de Levítico (25:44) estabelece que podemos possuir escravos, tanto homens quanto mulheres, desde que sejam adquiridos de países vizinhos.
Marcelo Henrique da Silva, contador em Londrina.
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