Marcelo Henrique da Silva
Maio/2009
Senti-me inquieto. Ciência Contábil? Padrão Contábil? Lei Contábil? Ser? Dever-ser? Onde estamos e pra onde vamos? Conhecemos o(s) caminho(s)?
No desassossego me propus a construir e a desenvolver uma reflexão, simples, sobre as bases nas quais deveria assentar uma política contábil de educação que levasse em conta as contingências do cotidiano do profissional da contabilidade.
Como diria Bernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa), no Livro do Desassossego, “se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir”.
Meus sentimentos...
A ciência é intrínseca, histórica, sociológica e eticamente complexa. A ciência não se molda, ou é moldada, por padrões jurídicos impositivos, num verdadeiro dever-ser. A ciência está no universo do ser, livre das amarras do dever-ser.
A ciência tem necessidades que as normas jurídicas desconhecem. A ciência e o cientista não se curvam diante de impropriedades impositivas, normativas.
As imposições legais burocratizam os pragmáticos, os tecnocratas e aqueles desprovidos da arte de pensar, os normativistas. Ciência sem consciência é a ruína do homem. Ciência sem consciência é um eterno obedecer. Ciência necessita de consciência. A ciência é um caso raro de amor com a responsabilidade pessoal e social, num momento de irresponsabilidade generalizada. Ciência, como se sabe, é um processo sério demais para ser deixado nas mãos de legisladores, de conselheiros, de delegados...
No direito positivo as normas jurídicas estabelecem um dever-ser, modalizados deonticamente em Permitido, Proibido e Obrigatório. Todas as normas jurídicas são reduzidas a esses três functores. Essas normas jurídicas, impositivas, não retratam a Ciência, mas, apenas, um dever-ser. Nada mais.
Por certo, em determinado instante ou momento podem, até, num lapso, existir um entrelaçamento entre ciência e norma jurídica. Mas a relação é temporal, atípica. Não obrigatória.
As normas administrativas, por si só, obedecem as normas jurídicas; não são capazes de permitir, proibir ou obrigar nada que não decorra de Lei.
As Resoluções (do Conselho de Contabilidade) são atos inferiores a Lei, não podendo contrariá-la, restringi-la ou ampliá-la, uma vez que o ordenamento jurídico pátrio não permite que atos normativos infralegais inovem originalmente o sistema jurídico.
Estas, as resoluções, não são, nem representam a Ciência Contábil. São atos pragmáticos, burocráticos; muitos deles do e para o poder.
Podem como as normas administrativas, até, em determinado momento, espelhar a Ciência Contábil, mas, também, de forma temporal, atípica. Estão no universo do dever-ser; a Ciência no ser.
O cientista limitado nas imposições de um dever-ser não faz ciência, faz uma não ciência. Produz um “foie gras”, ou, algo doente!
O olhar do cientista contábil não descreve a norma impositiva; ele explica a cegueira (nossa de cada dia). A Lei Contábil não mutila o pensamento do cientista. A Lei Contábil é um obedecer ordens, num dever-ser normativo interminável; o cientista é livre e se mantém consciente nos valores de uma ciência consciente.
Quando se discute a legalidade e aplicabilidade das Leis 6.404, 11.638 e da já convertida MP 449 (agora Lei 11.941), estamos no universo do dever-ser. Estas, em nada representam a Ciência Contábil. Podem, por certo, até possuir pontos em comum, muitos, poucos, tanto faz tanto fez, mas não estamos no universo Cientifico Contábil, estamos naqueles das relações jurídicas impositivas, do dever-ser.
As normas jurídicas, certas ou erradas, legais ou ilegais, aplicáveis ou inaplicáveis, não dependem da ciência para que sejam impositivas. Basta que tenham eficácia jurídica. Basta isso, que tenham eficácia jurídica, não científica (infelizmente).
Ciência Contábil não são as leis, as normas administrativas, os dogmas, pois está noutro plano, superior e consciente. A ciência não depende das normas jurídicas pra ser ciência.
A verdade científica é o que é, e segue sendo verdade, ainda que se pense ou se imponha o revés.
Montesquieu disse que “a experiência constante nos revela que todo homem investido de poder tende a abusar dele, e a levar a sua autoridade até onde chegue o poder”. Para prevenir tais abusos é necessário que o poder seja contido pelo poder. Na realidade, o “poder da ciência” não se oprime diante do “poder dos normativistas”.
A ciência, sabe-se hoje, nunca teria sido ciência se não tivesse sido transdiciplinar, se tivesse se submetido ao normativismo. O conhecimento unidimensional daqueles que são e estão no poder acabam por produzir normas vulgares, de segunda linha, desconectas de uma ciência transdiciplinar. Fechados em e por sua disciplina, eles se trancafiam em seu saber parcial e produzem, isso sim, a ruína do homem! A ruína da ...
Damo-nos conta de que falta uma Ciência Contábil à contabilidade contábil! Não falta ao cientista consciente, mas àqueles atropelados pelo dever-ser normativo.
Damo-nos conta que as imposições contábeis das Leis, em decorrência do dever-ser, devem ser cumpridas pelas relações obrigacionais. Mas não representam, necessariamente, a Ciência Contábil lato sensu.
No caso específico das Leis Contábeis é possível levantar questões de ordem jurídica e de ordem cientifica, uma independentemente da outra. Ocorre, evidentemente, que se eficaz a norma jurídica, teremos conflito no campo científico. Mas o cientista, inconformado com o caminhar do dever-ser, não se submete ao normativismo. É livre. Um livre pensador. Cientista consciente.
Pode parecer que apresento um quadro desesperado, que introduzo dúvidas generalizadas, que, destruindo a rocha sólida das convicções, provoco pessimismo desmoralizados e devastador. Mas isso seria esquecer que é necessário desintegrar as falsas certezas e as pseudo-respostas quando se quer encontrar as respostas adequadas.
As cartas estão na mesa!
Mas continuo inquieto, desassossegado...
Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.
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