sábado, 13 de junho de 2009

A PROBLEMÁTICA NORMATIZAÇÃO CONTÁBIL

Antônio Lopes de Sá


Enquanto no Brasil algumas publicações propagam haver “unanimidade internacional” sobre uma “nova Contabilidade”, como algo “convergente”, relativamente aos procedimentos egressos da entidade privada sediada na Inglaterra - IASB - International Accounting Standard Board, “contraditórios” ocorrem na Europa e nos Estados Unidos; sérias objeções estão sendo feitas; há indícios, inclusive, de que começa a ser significativamente atingido o comportamento do comitê referido, segundo notícias difundidas, inclusive na Internet.

Destaca o noticiário o descrédito em que caiu o IASB após as concessões feitas aos Bancos, decorrentes de “acomodação normativa”.

Acusa-se, ainda, publicamente, pela mídia eletrônica a interferência de comando que na entidade normatizadora IASB estaria ocorrendo indiretamente por uma importante empresa de auditoria a KPMG, segundo o “The Observer” (http://www.guardian.co.uk/) de 07 de junho corrente, em artigo de responsabilidade de Nick Mathiason intitulado “Comitê de Contabilidade poderia perder poder de emitir procedimentos” (Accounting board could lose power to set rules).

Todavia, denúncia de influência interventora de comando há mais de três décadas já havia sido feita; similares imputações de interferência das grandes empresas de auditoria na produção de normas, inclusive conseguindo das comissões de valores mobiliários amplos acolhimentos, foram expressamente manifestadas em publicação do Senado dos Estados Unidos em março de 1977 (editada pela imprensa oficial daquele País, número de identificação 052-071-00514-5, sob o título “The Accounting Establishment”, página V).

Não é difícil inferir-se, pois, que a história estaria apenas a confirmar a tradicional estratégia de influências e o uso do recurso contábil faccioso para beneficiar grupos econômicos através de maquiagem de informações.

O professor Nepomuceno descreve como o processo ardiloso se estruturou e em que consiste, destacando uma tríplice aliança para os fins de maquinação dos balanços apoiada em normas, ou seja, a formada por um conluio entre especuladores financeiros, auditores transnacionais e entidades de classe contábil e de controle (Valério Nepomuceno, Teoria da Contabilidade, edição JURUÁ).

O artigo estampado no “The Observer”, do Reino Unido, portanto, por paradoxal que pareça, é um retrato contemporâneo de um já remoto cenário, histórico, porém, atualmente, em um momento de crise mundial que atingiu o mundo todo, inclusive o Brasil e toda a América Latina, fazendo recuar o PIB a níveis preocupantes.

Avoluma-se, nessa atmosfera de turbulências, a insatisfação com o comportamento adotado pela entidade emissora das normas, afirma o artigo de Mathiason, especialmente quanto ao que concerne a “avaliação” (ponto chave na manipulação de lucros e perdas e do patrimônio em geral).

O que, pois, tem sido oficialmente justificado como “convergência” em realidade não se encontra tão pacificamente aceito; as ocorrências do passado, também, expressivamente, sustentam a crítica recente publicada na Inglaterra.

Entrementes, em nosso País as “normas” proliferam editadas por órgãos oficiais nacionais, mas, praticamente “traduzidas” daquelas emitidas pela entidade privada IASB (sediada na Inglaterra), possuindo valor prático e didático deveras contestável segundo opinião de muitos intelectuais (alguns referidos neste artigo).

Assim, por exemplo, a aqui aprovada norma internacional de número IAS 39, sem contestações, é a mesma que está sendo o estopim nos abalos do conceito da entidade privada normatizadora IASB, segundo Mathiason.

Ácidas expressões, as admito assim, têm também sido empregadas em matérias divulgadas em jornais nacionais e internacionais, com relevantes acusações, destacando como ineficiente o regime normativo; ainda há dias uma das referidas valeu-se da denominação que poderia ser entendida como pejorativa de “indústria da Contabilidade” (04/06/2009 em “Valor on Line”, no artigo intitulado “A vitória contábil dos Bancos Americanos”).

Não sei se o publicado poderia ser considerado injusto, mas, merece reflexões.

Até que ponto, em face do limite ético, “lato sensu”, seria tolerável a um Contador aceitar o conceito aludido em âmbito profissional? Para o advogado haveria uma “indústria do Direito”? Para um médico seria aceitável uma “indústria da Medicina”? Um dentista aceitaria sem restrições a conceituação profissional de “industrial da Odontologia”?

A imputação do termo, todavia, justificável seria no campo contábil se comprovada a tese de “negociação intelectual para vantagem financeira especulativa através de manipulação de informações”, aquela que o Senado dos Estados Unidos levantou ostensiva e expressamente em relatório que fez editar (já referido), essa que recentemente
produziu punições no caso das fraudes da ENRON e outras muitas.

A denominação do artigo do “The Observer” em 07 de junho, pois, parece ter o sentido que o “Valor on Line” em 04 do mesmo mês já estava adotando, ou seja, a do uso de recurso intelectual profissional para encobrir especulação financeira aética...

O “poder” referido no mencionado artigo de Mathiason está exatamente associado a liberalidade que a lei outorgou, ensejando o império das normas, estas que se situam hoje acima da própria lei e que industriadas abrem portas ao subjetivismo, este que agasalha fraudes e crises.

Reforça ainda o cenário o competente artigo do eminente professor Carlos Valle Larrea, da Universidade de Lima, editado na revista internacional LEGIS neste mesmo junho (páginas 133 a 151) clamando por mudanças nos critérios de quantificação de valores estabelecidos pelas denominadas “normas internacionais”, dando ênfase ao caráter de subjetividade de que se reveste e o ardil que ensejam.

O mesmo mal aludido foi denunciado em “Notas de Contabilidade” pelo emérito professor Rogério Fernandes Ferreira, mestre este mês condecorado pelo governo português pela sua importância intelectual no campo da gestão (com medalha de Ordem entregue pessoalmente pelo ilustre Presidente da República Professor Aníbal Cavaco Silva.

Também, iguais advertências já as faziam há décadas escritores e profissionais de valor como Briloff, Zeff, Koliver, Nepomuceno, Fanni, Carqueja, Cravo, Hendricksen, Turley, Taylor, Hermes, Domingues e outros...

Diante de tantas evidências, de provas inequívocas de trilhões de euros de prejuízos à sociedade, duro impacto na economia das nações, lesões à técnica e a ciência, vozes e letras passadas e presentes de tantas eminências intelectuais, será que ainda predominará o império das normas tal como se acha posto?

Se prevalecer o critério, sem restrições, não seria justo interrogar: 1) se tanto mal fizeram e fazem as informações deformadas ao feitio das normas, 2) se foram provocados milhões de desempregos, 3) se ocorreram trilhões em prejuízos, 4) se golpeada foi a maioria com a queda do PIB mundial de 3% (Jornal do Brasil de 11 de junho corrente), 5) se foi aberta a porta do subjetivismo irresponsável, 6) se a lei deixa de ser parâmetro - a que minoria serve tal procedimento contábil denominado internacional?

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