domingo, 4 de outubro de 2009

ESSÊNCIA, FORMA E EFEITOS CONTÁBEIS

Antônio Lopes de Sá

Entre a legalidade e o tratamento contábil adotado pelo governo após a Lei 11.638/07 existem preocupantes conflitos.

Como hoje, em nosso País, a lei determina que não se deva cumprir a própria lei (por paradoxal que pareça) profissionais preocupados com a ética manifestam-se indecisos.

Isso por que se uma lei regula alguma coisa, mas, o normatizado não a adota, prevalece a desobediência por que a própria lei determina que se cumpra a norma denominada como internacional.

Se, todavia, as empresas e os profissionais não seguirem a lei pertinente, perante cada caso específico, podem ser chamados à responsabilidade por terceiros; ao aplicar, todavia, o que uma lei específica determina estarão a desobedecer à outra lei, ou seja, a que determina seja seguido o normatizado para o mercado internacional (11.638/07); erram, pois, por cumprir e por não cumprir a lei.

Caso relevante a ponderar nesse impasse, especialmente, é o relativo à questão da “prevalência da essência sobre a forma dos fatos”, considerando-se o que se deva entender por tais coisas.

A proposição racional sobre a “essência” é milenar e provém de Sócrates (469–399 a.C.) que a inspirou a Platão (428-347 a.C.), este que ensinou a Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), criador da primeira teoria a respeito; avigorou tal análise o neoplatonismo de Plotino (205 - 270 da era cristã) que a elevou até ao mundo do inteligível.

Em sentido lógico, da realidade, “essência” é a “qualidade do objeto”, ou seja, a da matéria da qual se procura em “lato sensu” determinar ou atribuir “o que ela é”; no caso contábil, em “stricto sensu” a riqueza patrimonial como matéria essencial é vista sob o aspecto de “substância” apta a render utilidade ao empreendimento.

Visões modernas da intelectualidade sobre o tema, como a de Einstein (1879-1955), inclinaram-se para a mesma concepção que em Contabilidade já estava aceita desde o início do século XIX, ou seja, a de que o essencial é o “porquê da própria coisa”.

Há mais de um século foi assim sempre entendida a questão cientificamente, ou seja, do patrimônio como “essência necessária”, dessa maneira ressaltada por Francesco Villa em 1840 e na primeira metade do século XX dentre outros por Masi em sua doutrina científica patrimonial; isso implica estender tal conceito sobre o que “pode ser” e o que pode “não ser” atribuído, tal como foi fixado na teoria einsteiniana.

O Neopatrimonialismo, todavia, adotando o holismo se situou além das concepções referidas; preferiu comprometer-se com o caráter da essência que Tomás de Aquino (1225-1274) adotou, ou seja, o da abrangência total como visão necessária, essa que envolve também a própria forma, como algo aderente, ampliando-se, mas distinguindo o conceito de “existência”, assumindo como no ‘essencialismo metodológico’ aspectos substanciais como os “funcionais” e “sistemáticos”.

As normas contábeis denominadas internacionais, todavia, adotando a prevalência da essência sobre a forma, já de ha muito consagrada, deixaram de lado a universalidade, imergiram em alternativas, abandonaram critérios científicos e filosóficos, desconheceram formalidades legais e com isso fugiram á realidade.

Em razão do posicionamento empírico referido questões se sugeriram, ou seja, principalmente as relativas ao direito individual de terceiros.

Perante o fato aludido, como ficaria o credor no tangente aos ajustes sobre o poder patrimonial da empresa é uma interrogação não só a considerar, como, também algo a refletir sobre o que na crise que ainda se vive está a representar o efeito da informação ao sabor do normatizado; para citar poucos exemplos, suficientes são os casos Madoff e Bañuelos (comentado no jornal Estado de São Paulo de 17/08/2009), ambos envolvendo bilhões de euros.

Não se pode avaliar ainda até que ponto foi e ainda virá a ser a lesão ao investidor minoritário que tem interesse direto no resultado apresentado pela empresa perante perdas ou mesmo lucros manipulados resultantes de ajustes.

O entendimento de “essência”, quando “subjetivo”, sendo empírico pode motivar maquiagens em informações e quando tem a apoiá-lo alternativas, essas que as normas referidas são pródigas em oferecer, o que ocorre é pioria; tal fato implica ainda, como agravante, a condição ética.

O científico, todavia, por aferrar-se ao “objetivo”, consagra, sim, a “essência” como condição fundamental para a análise dos fenômenos da riqueza, especialmente como a enfoca e aceita o Neopatrimonialismo Contábil; as normas denominadas como internacionais, entretanto, não se manifestam preocupadas com as conceituações científicas, segundo o que se infere da leitura dos mal redigidos textos das mesmas.

O normatizado não acompanha em “lato sensu” os preceitos lógicos aristotélicos, nem os de Aquino, sequer os de Einstein, assim como não segue em “stricto sensu” os clássicos de Villa, Besta, Zappa, Masi e outros expoentes intelectuais da Contabilidade; igualmente muito distante está da moderna doutrina Neopatrimonialista.

Importante é considerar logicamente que fenecendo o conceito de “essência”, asfixiado pelo empirismo, falece o antecedente, logo, morre o consequente como sentido na proposição de “prevalência” sobre a forma e tudo se desorganiza do ponto de vista racional.

O grave erro da normatização internacional, pois, não está em adotar a prevalência da essência sobre a forma, mas, sim, como mal trata a questão, desobedecendo aos princípios lógicos que sustentam a realidade objetiva, única capaz de apresentar a verdade e garantir a qualidade informativa em Contabilidade.

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