Marcelo Henrique da Silva
Outubro/2009
Outubro/2009
Ouvi dizer que o Conselho de Contabilidade criou um grupo de profissionais para a análise, estudo, revisão e tradução do padrão contábil internacional para pequenas e médias empresas brasileiras. Ouvi dizer também, que esse padrão contábil teria sido editado recentemente pelo IASB, conhecido como Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade. Segundo ouvi ainda, esses profissionais sinalizam que este seria a solução contábil para as empresas qualificadas como micro ou de pequeno porte pela Lei Complementar 123, do Simples Nacional.
Enquanto ouvinte vale aqui a qualidade representada pela escultura da Justiça romana, não da grega. A Justiça romana é uma mulher com os “olhos vendados” (a grega está de olhos abertos empunhando uma espada), onde a justiça é “algo a ser ouvido”; o discurso precisa ser “ouvido”, interpretado e ponderado.
Inquieto como ouvinte, eu e mim entramos em conversações incessantes, num diálogo construtor de sentidos. O diálogo, como se sabe, pode revelar muitos aspectos ocultos, os quais somente se manifestam no ato dialogal. A experiência socrática do diálogo já há muito demonstrou que o conhecimento e a construção de sentido só são possíveis mediante o diálogo, a intersubjetividade, graças à qual nascem os discursos nas mais variadas esferas do conhecimento humano.
Na medida em que dialogava percebi que por se tratar de um padrão editado por instituição internacional, as normas estabeleceram uma estrutura de tamanho-alcance lógico, ou seja, padrão para as pequenas e médias empresas e padrão para as grandes empresas. Em suma, apoiado nesse aspecto é possível determinar que existam tamanhos delineados internacionalmente para as empresas: as grandes, as médias e as pequenas.
Enquanto uns partem de uma visão reducionista da regra, por vezes neófila, a característica das médias e pequenas empresas é determinada, no caso concreto, por exclusão, não por inclusão, como se faz crer. Explico: - identifico a característica das grandes empresas, aquelas de grande porte, as demais...
A “regra” do padrão contábil internacional é “grandes empresas”, exceção são “médias e pequenas empresas”; é mais lógico! Pois bem, é da mais gritante falta de lógica, tanto comum, como jurídica, a interpretação que pretende atribuir a existência de empresas que se situe entre a média e a grande. Como bem salienta Carlos Maximiliano, devem se afastar as interpretações impossíveis e ilógicas.
Positivado no direito brasileiro as “grandes empresas”, ou empresas “de grande porte”, são aquelas que possuem ativo total superior a R$ 240.000.000,00 ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00, em conformidade com a lei 11.638, art. 3º.
Como se observa, o Conselho de Contabilidade trabalha num padrão contábil aplicável a todas as empresas não qualificadas como de grande porte (e as sociedades anônimas, S/A); não se restringindo as ME e EPP da lei do simples nacional.
Este novo quadro apresenta dois traços nítidos. De um lado, padronização para grandes empresas (de grande porte – lei 11.638, art. 3º); de outro, padronização para aquelas não qualificadas como grandes, ou seja, as pequenas e médias.
Aliás, o próprio art. 3º da lei 11.638 confirma a assertiva, ao prescrever que o atual padrão contábil internacional é aplicável única e exclusivamente às sociedades anônimas e às de outros tipos desde que “de grande porte”. Note que se esse padrão fosse aplicável “a todas as empresas”, como se quer fazer crer (com uma ajudinha da Teoria do Medo, claro), qual a finalidade deste art. 3º? Nenhum. Mandar aplicar o que já seria aplicável!? A inferência lógica que se impõe, a partir dessa observação, é deduzida com clareza: o atual padrão contábil internacional se restringe às sociedades anonimais e as demais de grande porte.
Um segundo elemento salta no diálogo. Se, como afirmam alguns, o atual padrão contábil internacional é aplicável “a todas as empresas” qual a função de se importar outro padrão, um novo-novo padrão aplicável àquelas que já estão obrigadas ao velho-novo padrão?
Não ouvi dizer, mas digo: - ou o atual padrão contábil internacional é aplicável “a todas as empresas” e esse novo-novo padrão contábil é coisa pra Inglês ver, ou o padrão atual é aplicável apenas as empresas de grande porte e esse novo-novo padrão aplica-se às empresas pequenas e médias, aquelas não qualificadas como “de grande porte”. Das duas, uma! Caso contrário estar-se-ia criando um ornitorrinco contábil, algo meio ovíparo meio mamífero!
Penso que a postura adotada pelo Conselho de Contabilidade, o nosso, demonstra e confirma que o atual padrão contábil é aplicável às sociedades anônimas e as de demais tipos de grande porte, estas últimas independentemente da forma tributária adotada, em respeito às normas jurídicas positivadas no Brasil (não confundir normas jurídicas com leis).
Na medida em que busca identificar uma contabilidade de essência, as normas que impliquem conexões e valores devem ser conjugadas com um critério de essência, identificando seus limites. Reconhecer que há critérios de tamanho-alcance nas normas internacionais (grande, médio e pequeno) é um primeiro passo; reconhecer que a aplicabilidade deste padrão contábil internacional para pequenas e médias empresas brasileiras dependem de obrigações prescritas em normas jurídicas é um segundo e importantíssimo passo, mas aí já é outra história...
Como nos evangelhos, apócrifos ou canônicos, “aquele que tem ouvidos que ouça”.
Ouvi, e permaneço inquieto, dialogando!
Marcelo Henrique da Silva, é contador em Londrina.
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