Antônio Lopes de Sá
Verdade e clareza já eram princípios amplamente reclamados para as demonstrações contábeis há mais de meio século, quando o professor Jenny escreveu seu tratado sobre Fraudes em Contabilidade [1].
“Toda alteração da verdade é uma falsificação” asseverou o mestre referido.
Louve-se a conceituação referida, mas, acrescente-se que igualmente é vicioso tudo aquilo que enseja a prática da alteração.
Apesar das advertências dos ilustres intelectuais da Contabilidade, todavia, os grandes desastres financeiros motivados pelos calotes internacionais que vitimaram milhões de pessoas no fim da década de 20 e começo de 30, não interromperam a criminosa atuação dos falsários, amparada por manipulações de informações.
A partir da década de 60, destacando-se 1968 e na década de 70 chegando a níveis exacerbados, as fraudes nos Estados Unidos, segundo Singleton, Bologna, Lindquist, atingiram o nível do preocupante em âmbito social [2].
Os impactos de 2008 e 2009 derivados de milhares de práticas fraudulentas motivaram grande número de investigações, mas não impediram que nesse mesmo período muitos trilhões de euros e dólares de perdas vitimassem investidores, contribuintes de impostos e o povo.
Apenas em um setor, segundo o noticiado [3] “o FBI anunciou que o número de investigações de fraudes com hipotecas superava os 1,6 mil casos no fim do ano fiscal de 2008, que terminou em 30 de setembro, em contraste com as 881 ocorrências registradas dois anos atrás. Em acréscimo, foram abertas 530 investigações de fraudes corporativas, informou a policia federal americana.”
Muitos milhares de falsidades e calotes se sucederam ao curso do tempo, bastando recordar, por expressivas, as denunciadas no parlamento estadunidense, especialmente as da década de 70 [4] e de fins daquela de 90.
Lamentavelmente há uma “tradição de fraudes” ocorridas com a proteção das informações contábeis eivadas de vícios.
Tal como o acusado oficial e publicamente [5] ocorreu um conluio entre especuladores, auditores e entidades de classe contábil na produção de normas, visando a manipular demonstrações contábeis, acobertado ainda por pressões sobre órgãos governamentais.
Contundente foi a manifestação do Senado dos Estados Unidos sobre a questão em relatório de comissão parlamentar de inquérito:
O AICPA [6] é organizado de uma forma que permite que as partes controlem sua estrutura de sustentação para manter seu controle sobre a organização. As oito maiores empresas de auditoria controlam efetivamente a estrutura e usado é por elas o AICPA como anteparo de seus interesses coletivos.
E ainda sobre as transnacionais de auditoria (na época eram oito) afirma o relatório:
Através do seu poder, elas são capazes de influenciar políticas governamentais e os procedimentos que possam afetar as atividades dos seus clientes corporativos.
Os efeitos da crise calamitosa que explodiu em 2008, acobertada pela incompetência das normas contábeis em não denunciar os riscos, mas, sim permitindo a alteração da verdade, foram os mais desastrosos, com impactos sociais fortíssimos em alguns países nos quais os indices de desemprego em 2009 alcançaram quantitativos considerados expressivamente gravosos
A imprensa européia em fevereiro de 2010 denunciava taxas de desocupação de mão de obra em Portugal de quase 10%, na Espanha de quase 20%, na Irlanda quase 12%, na Hungria mais de 10% [7], assim como problemas sérios em determinados setores, como o automobilístico.
A questão normativa, pois, em face da fraude, não é apenas de âmbito particular, mas, sim, pode tornar-se fator antisocial que deflui do uso inadequado da Contabilidade, quando se distorce a verdade, quando se afasta das doutrinas científicas e as corrompem, posto que missão da ciência seja a defesa da realidade objetiva.
NOTAS
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[1] JENNY, Ernest G. - Les fraudes em Comptabilité, edição Dunod, Paris, 1947, página 5
[2] SINGLETON, Tommie W. e outros - Fraud, Auditing and Forensic Accountring, 3ª. Edição Wiley, New Jersey, 2006, pagina 234
[3] Gazeta Mercantil de São Paulo Caderno D Página 7 em 03 de abril de 2009
[4] U.S.SENATE - The accounting establishment, U.S. Government Printing Office ,Washington, 1977 (Relatório da Comissão Particular de Inquérito sobre Conluio em Contabilidade, número de estoque da publicação 052.071.00514-5 , com 1.760 páginas).
[5] U.S.SENATE - The accounting establishment, U.S. Government Printing Office ,Washington, 1977, página 9 (Relatório da Comissão Particular de Inquérito sobre Conluio em Contabilidade, número de estoque da publicação 052.071.00514-5 , com 1.760 páginas).
[6] AICPA é uma instituição de classe que como no Brasil o IBRACON, CPC e o CFC emitem normas
[7] DIÁRIO DE NOTICIAS de Lisboa, de 08/02/2010 - “Le Figaro”, de Paris da mesma data sobre o desemprego na indústria automobilistica
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